sexta-feira, 20 de outubro de 2023

O DISCURSO DE MARSELHA


O DISCURSO DE MARSELHA 

Escrito a 25-09-2023


O Papa Francisco habituou-nos a determinados slogans, simples e fáceis, que, no fundo, são enumerações de princípios humanos, sociais e eclesiais. Esses slogans são uma espécie de instruções de pilotagem, para abrir caminho à tripulação e dar-lhe andamento. Outros terão de dar contexto, fundamento e desenvolvimento. Essa não é a preocupação do Papa. Ele lidera, outros gerem! 

Por exemplo, com a trinómio ‘Vergonha, Vergonha, Vergonha’, o Papa enumerou o princípio de tolerância 0, acrescentando mais tarde, na conferência de imprensa pós JMJ, que é preciso atenção à especulação dos números. Com o ‘Todos, Todos, Todos’, enumerou o princípio da integração, para dizer, no Bairro da Serafina, que é preciso ver com óculos aquilo que ficou dito. Por fim, com a ‘Igreja sinodal, Sínodo, Sinodalidade’ enumerou o princípio da participação, para adiantar na Praça de S. Pedro, que a Igreja não é um parlamento. 

É preciso ouvir a voz do comando e compreender o que ela quer dizer! 

Sucede o mesmo com o grande discurso de Marselha, na conclusão do III Rencontres Mediterranées, no passado dia 23 de setembro, em que enuncia os princípios de acolhimento e de integração dos migrantes e refugiados. Na ocasião, disse que Marselha é a capital da integração dos povos, e que o Mediterrâneo, como o Mar da Galileia, é a Nova Galileia dos Gentios, um mar de mares e um mosaico multiétnico e multicultural. 

Do discurso o Papa Francisco relevo os três seguintes pontos:

  1. “É preciso recomeçar daqui: do grito muitas vezes silencioso dos últimos” 
  2. “Os migrantes devem ser acolhidos, protegidos ou acompanhados, promovidos e integrados”
  3. “Empenhemo-nos para que quantos fazem parte da sociedade possam tornar-se cidadãos de pleno direito”

O Papa determina três princípios justos, da solicitude universal, da integração, da cidadania. E. Macron disse no dia seguinte, em entrevista, que “o Papa Francisco tem razão. Nós temos de reconhecer que o Papa tem razão. Ele é o Papa e deve enunciar princípios”. 

As reações foram mais que muitas, com a maioria a perguntar pelo direito do país em proteger a fronteira, a segurança e a economia. Li também que “quem chega não tem qualquer direito”! 

Na continuidade do pensamento do Papa João Paulo II, o Papa Bento XVI, na Mensagem para do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, de 2013, declarou o mesmo de Francisco:

  1. “A viagem migratória muitas vezes inicia-se com o medo, sobretudo quando perseguições e violências obrigam a fugir, com o trauma de abandonar os familiares e os bens”
  2. “A Igreja e as diversas realidades que nela se inspiram são chamadas a evitar o risco do mero assistencialismo, procurando favorecer a autêntica integração numa sociedade”
  3. “Os migrantes e refugiados podem experimentar também relações novas e hospitaleiras que os encorajem a contribuir para o bem-estar dos países com suas competências profissionais, o seu património sociocultural e também com o seu testemunho de fé
  4. “É verdade que cada Estado tem o direito de regular os fluxos migratórios e implementar políticas ditadas pelas exigências gerais do bem comum, mas assegurando sempre o respeito pela dignidade de cada pessoa”

O Papa Bento XVI acrescenta a necessidade de regulamentar os fluxos migratórios que não se reduza ao encerramento das fronteiras e ao agravamento das sanções, e declarou também existir a necessidade de intervenções orgânicas e multilaterais nos países de origem. Sobre este ponto da regulação, Francisco parece omisso, silencioso. 

Com certeza sabe, mais do que nós, que estão, atualmente, 2 milhões de deslocados subsaharianos na Líbia, Tunisia, Argélia, Mauritânia, como estão hoje 3 a 4 milhões de sudaneses no Egipto. O Papa já foi a Marrocos, ao Egipto, à Turquia, à Grécia, a Chipre, por isso tem de saber. Com certeza sabe que a França, em 2022, recebeu 320,330 novas entradas de emigrantes e que, em 2021, 273,360 novas entradas (dados do Instituto Nacional de Estatística Francês). O Papa elevou Msr. Aveline como cardeal de Marselha, e, por isso, há-de saber.

O Papa sabe e, no discurso de Marselha, afirma: “Esta situação não é uma novidade dos últimos anos, nem este Papa vindo da outra parte do mundo é o primeiro a senti-la com urgência e preocupação. A Igreja fala disto com tons vivos há mais de cinquenta anos.” E acrescenta: “Tinha terminado há pouco o Concílio Vaticano II, quando São Paulo VI escreveu, na Encíclica Populorum progressio: «Os povos da fome dirigem-se, hoje, de modo dramático aos povos da opulência.» (n. 3).” 

O Papa Francisco enumera o princípio da integração, os políticos fazem as políticas de integração. Francisco dá o exemplo da integração académica: “Dos 35 mil alunos que frequentam cursos, aproximadamente 5 mil são estrangeiros. Donde começar a tecer as relações entre as culturas, senão das universidades?” O Papa enumera princípio da integração académica,  E. Macron, Sánchez e Costa têm de andar para a frente. 

Para os franceses, e para os europeus, o maior medo é o da invasão e o da perda de segurança. O Papa Francisco mostra a alternativa da integração académica e laboral, e da plena cidadania. Para os cristãos, em geral, e não apenas, para os católicos, há o medo do crescimento islâmico, da conversão ao islamismo e da substituição religiosa. Vou tentar falar disso noutra oportunidade.

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