(Texto em reformulação e em tentativa. O "provável" quer dizer "incerto" da parte de quem escreve)
Resumo:
Deus é, na sua essência, amor; e na essência do amor encontramos todos os atributos do ser divino: amor verdadeiro, bom e belo; amor perfeito, pleno e completo; amor eterno, infinito e imutável; amor indivisível, inalterável, impassível; etc.
Esse amor permanece sempre o mesmo, feliz, fiel e uno, porque Deus não pode negar-se a si mesmo. O amor do Pai pelo Filho permanece sempre o mesmo e o amor do Filho pelo Pai permanece para sempre, sem mudança, progresso ou mutabilidade; a paternidade e a filiação são imutáveis, inalteráveis, e nunca se extinguem.
Mesmo que em Deus coexistam todos as expressões de amor - a obediência, o sacrifício, a distância, a renúncia- tal não significa alteração, mas mostra antes de mais que amar é acontecer, é ser amor em ato, é ser para o outro mesmo que implique a vida.
Em atualização.
1. IHS – JESUS SALVADOR DO HOMEM
1.1 Jesus salvou tudo aquilo que viveu!
Comecemos
esta reflexão com três expressões difíceis.
Dizemos
que Jesus é uma pessoa salvífica e
que a sua história é uma história
salvífica, e que, quando celebramos a liturgia, celebramos os mistérios da vida de Cristo.
São
expressões que nos dizem que Jesus é o Salvador, e não apenas um homem
extraordinário. Jesus de Nazaré é a própria salvação! Jesus quer dizer “Deus
salva”, porque salva a Sua própria vida, porquanto é o Filho de Deus a viver a
nossa condição humana!
Jesus
não é o Salvador porque se dá como exemplo para nos portarmos bem, e também não
é o Salvador por oferecer aos homens uma graça, um dom, fora de si mesmo. Um
Jesus que não fosse o Salvador de si próprio - primeiro de si próprio, não
poderia ser o Salvador!
Por
outras palavras, podemos dizer que se o Verbo de Deus quisesse assumir a nossa
condição humana, mas não a quisesse viver tal como ela é, com as luzes e as sombras que lhe conhecemos, não nos bastaria– a união hipostática não basta à
salvação do homem[1]!
Da mesma forma, se o Verbo de Deus vivesse a nossa condição humana, convicto de que o momento da cruz é que contaria para a nossa salvação, de nada nos serviria – o acontecimento doloroso da cruz, isolado do resto da vida de Jesus, não nos traria a salvação[2]!
Jesus
de Nazaré é o Salvador porque vive intensamente a sua vida com Deus! Todas as
etapas, mudanças e processos, todos os mecanismos biológicos, psicológicos e
sociológicos, todas as relações, afetos e amizades, foram vividos intensamente
com Deus!
Jesus
é salvo na carne, e torna-se salvação para os seus, na realização histórica do
seu ser-com-o-Pai, na permanente atuação da sua consubstancialidade (omousia)
com Deus. Parece difícil, e é bastante, até porque as palavras pouco acertam, mas foi o próprio Jesus que disse “Eu e o Pai somos
um” (Jo 10,30).
Aquilo que Jesus vive, vive com o Pai, e, por isso, tudo o que Jesus vive, salva. Nesse sentido, Jesus de Nazaré é a pessoa salvífica; as suas vivências tornam-se vivências salvíficas; a sua história, história salvífica, desde o “fazer-se homem” (Jo 1,14), até “elevar-se ao céu” (Act 1,11).
Concluamos: a vida de Jesus de Nazaré não se assemelha à vida de um herói ou de um super-homem. Jesus vive unido a Deus - numa união perfeita e íntima com o Pai, como referiu Bento XVI (19.10.2006) e, por isso, tudo o que vive Jesus salva. Essa força conquistada às Suas próprias forças é concedida a todos os que encontra: “Cristo não conquistou para os homens o direito à salvação; graças ao Pai e no Espírito Santo, tornou-se na sua pessoa o mistério da salvação”[3].
1.2
Encarnação ou assunção?!
A
primeira dificuldade da nossa fé tem que ver com a afirmação “E o Verbo fez-se carne” (Jo 1,14). Parece-nos impossível que Deus se queira meter num mundo que
não é o seu e com o qual aparentemente não tem nada que ver. A possibilidade de
Deus se fazer um de nós é, na verdade, uma grande pedra de tropeço!
Efetivamente,
se acreditarmos que entre a realidade de Deus e a realidade
do homem não existe qualquer forma de participação, a encarnação não seria possível. Não há correspondência
possível! Mas se acreditarmos que nos correspondemos, que estamos mais ou
menos sincronizados, e que, desde o início, nos participamos, então, realmente, Deus corresponde-se, sincroniza-se
connosco, e vem ao que é seu. A esta vinda de Deus na carne humana chamamos “encarnação”!
A encarnação é a humanização de Deus. Algumas expressões poderão ajudar-nos a compreender a encarnação. “Encarnar é fazer-se homem”; “Encarnar é viver como Filho de Deus na nossa condição humana”; “Encarnar é deixar-se gerar pelo Pai, enquanto Filho na nossa natureza humana”; “Encarnar é Deus a viver na nossa corporeidade”. “Encarnar é simplesmente ser o Filho de Deus na nossa humanidade”. Digo “simplesmente”, porque é mesmo “só” isto!
O NT utiliza expressões parecidas com estas, exemplificadas nas formas “fazer-se”, “tornar-se”, ou “levar à perfeição”. Podemo-lo verificar na Carta aos Hebreus:
- «Teve de se tornar em tudo semelhante aos seus irmãos, afim de se tornar, nas Suas relações com Deus, um Sumo Sacerdote misericordioso» (Heb. 2,17);
- «Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu e, tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna» (Heb 5,8).
O Filho de Deus 'fez-se' homem, 'tornou-se' Filho do Homem, 'aperfeiçoou-se' até à consumação, sem nunca deixar o seio do Pai, e sem deixar de ser o Filho consubstancial. Jesus de Nazaré, chamado Cristo, é unidade permanente com o Pai, e, nessa unidade perfeita, o Filho "advém" - "provém" - "volta", ao Pai, conforme o texto de João, 1,1 "o Verbo era Deus" -" ho Lógos ēn pros ton Theón" - o Verbo estava voltado para o Pai.
O sair de Deus, o sair de Deus e fazer-se homem, e o ser homem e Deus ao mesmo tempo, era uma loucura e um escândalo! Para os filósofos antigos não se tratava apenas de uma incompreensão, mas de uma impossibilidade: reconhecer em Deus a possibilidade de “fazer-se, de “tornar-se”, de “devir”, contradizia as propriedades, as características, da divindade. Ela deveria ser eternidade, imutabilidade, indivisibilidade, impassibilidade, totalidade, beatitude, perfeição, etc. Pura contemplação de si mesmo, sem relação com o mundo, nem necessidade de qualquer espécie!
Tal era o pensamento de Aristóteles, com o motor imóvel, puro cogito que se pensa a si mesmo, ou o de Plotino, com a ideia de puro eros que se se deseja a si mesmo[1]. Nesta perspetiva, Deus contempla-se a si mesmo, e sem se envolver, movimenta a matéria primordial por meio da atração. Na antiga visão teo-ontológica, “um Deus seriamente divino, não pode não ser um Deus infinitamente, eternamente, constantemente perfeito e imutável na sua perfeição”[2].
Com facilidade, tudo isto se tornou um verdadeiro quebra-cabeças! Conjugar dois mundos, o divino e o humano, e duas naturezas, a divina e a humana, com propriedades tão diferentes, tornou-se uma tarefa quase impossível. Como é possível compreender que Jesus seja ao mesmo tempo divino e humano, eterno e mortal, imutável e mutável? Parecia que estas propriedades eram contraditórias.
Por
isso, os teólogos cristãos “defronte ao aut
- aut do pensamento grego, ou imutabilidade divina ou encarnação humana (ou
uma coisa ou outra), pensaram um et – et:
e imutabilidade e incarnação divina”[3]. Este paradigma et – et concentrou com justeza e
exatidão, na pessoa de Jesus, as características da sua divindade - eternidade,
consubstancialidade, imutabilidade, impassibilidade de Jesus, e as da sua
humanidade - nascimento, crescimento, sofrimento, morte.
Como
a confusão cristológica fosse enorme, e as afirmações sobre Jesus se contradissessem
umas às outras, houve necessidade de encontrar uma definição que fosse justa e
exata, concentrando tudo o que é próprio da divindade e da humanidade, na única
pessoa de Jesus. O Concílio de Calcedónia (351) e os outros que lhe seguiram,
definiram que a natureza divina e a
natureza humana estão unidas na única pessoa de Jesus Cristo, sem separação nem
confusão, sem alteração ou diminuição.
A definição contém a verdadeira divindade e a verdadeira humanidade juntas, na mesma pessoa de Jesus Cristo. Sucede que os concílios não pretenderam explicar, mas apenas dar o enquadramento da questão, e incentivar posteriores reflexões. As argumentações que se seguiram tentavam conjugar as dimensões divina e humana de Jesus de Nazaré, mas como especulavam sobre a constituição ontológica do Verbo encarnado[4], acabavam por cair numa aporia, “num beco sem saída”. O debate especulativo descentrava-se da realidade histórica de Jesus de Nazaré. Fala-se por isso da “deshistoricização” de Jesus de Nazaré!
Andrea Milano nota que a justaposição das naturezas divina e humana nos levaria lentamente à distinção subtil entre encarnação e assunção: «’encarnação’ diz com-descendência, abaixamento e, portanto, misericórdia, caridade. Ao contrário, o termo ‘assunção’ deixa entender um movimento produzido por uma força que o atrai, para uma outra coisa, para aquilo que está em baixo, e, assim a eleva e nobilita»[5].
E conclui que a dificuldade em articular as duas naturezas divina e humana, no contexto de justaposição, de paralelismo, permitiu algumas abordagens separadas e justapostas da constituição do Verbo encarnada: «o Logos encarnado, podia continuar imutável, e, por isso, apático, indiferente, inenarravelmente longínquo, no confronto com aquilo que é, diz, faz e padece, na própria natureza humana, sendo sempre o mesmo de Belém ao Gólgota»[6].
Era como se existissem dois mundos inconciliáveis, dois “eus” antagónicos dentro de Jesus de Nazaré! Alguns padres, por exemplo, para afirmarem a divindade de Jesus, diriam que foi o Logos a assumir a natureza humana; e, outros, para salvaguardarem a impassibilidade do Logos, diriam que era à natureza humana do Logos encarnado que pertencia o sofrimento[7]. Tinham com certeza razão, mas o debate tornara-se muito abstrato e académico.
Concluamos. Traduzir a fé em termos metafísicos, com conceitos estranhos ao cristianismo, como ousia, omousia, hypostasis, fusis, foi a linguagem justa encontrada pelos autores cristãos para articular a fé e a razão; mas essa tradução ter-nos-á levado à intelectualização da revelação cristã, à elaboração metafísica da linguagem cristã e à desarticulação do nexus mysteriorum[8]. Kasper diria desescatologização[9] da revelação, outros "deshistoricização" de Jesus Cristo, que é, no fundo, a desvalorização da dimensão histórica, relacional e salvífica de Jesus.
Estes conceitos essencialistas deram linguagem, inteligibilidade e clareza aos dados revelados. Tinham o objetivo de dar balanço à reflexão, mas acabariam por conduzir a muitas incompreensões. Como podemos então voltar reinterpretar estes conceitos numa perspetiva bíblica e contemporânea? Podem ser lidos numa perspetiva aberta e personalística[10] e tornarem-se acessíveis à nossa compreensão.
1.3
Da ontologia da substância à ontologia da relação
Nós confessamos que «Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem». Quando o fazemos centramo-nos no conteúdo de cada uma das matérias de que é feito Jesus Cristo, mais do que na sua pessoa real. De facto, quando falamos em divindade e humanidade ou pensamos em essência, substância e natureza, andamos à procura do material de que são feitas estas coisas. Na nossa linguagem quotidiana estas palavras significam apenas massa e forma, quantidade e medida.
Quando afirmamos que «Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem» não nos focamos em “quod quid est” (“que coisa é esta”, “o que é isto”), mas sobretudo em “quem é”: porque “Jesus Cristo é o Senhor”, “Jesus é Deus”. A este propósito, W. Kasper afirma que «a teologia é posta inevitavelmente defronte ao significado deste ‘é’; ela deve perguntar-se de que natureza é este ‘é’»[1]. Devemos compreender, portanto, quem “é” Deus e quem “é” Jesus, para chegarmos à compreensão do seu mistério.
Os
autores convidam-nos à revisão do discurso teológico em termos
existenciais, intrinsecamente conexos com o termo “pessoa”, ou com termos relacionais que
provenham da Escritura, da Tradição, da história e das instâncias da cultura
contemporânea. A perspetiva do personalismo daria um grande contributo para a
passagem de uma ontologia que privilegia a abstracção, a uma ontologia que
privilegia o ser em relação.
Uma pessoa[2] não se define apenas na sua referência ao eu absoluto - ao eu-sozinho -, nem à relação com isto, isto-aqui; quer dizer, o processo de personalização e o processo de socialização não são feitos a partir de si próprio ou a partir dos objetos. Dessa forma, uma pessoa não se define a partir do pensamento - do cogito cartesiano que desenha a nossa realidade numa folha em branco -, nem se define a partir das suas capacidades - das categorias kantiano que arrumam as nossas capacidades numa espécie de gavetas. Uma pessoa define-se e desenvolve-se sobretudo no contacto com as outras pessoas.
Dizendo
“tu”, o “eu” entra em diálogo com outra pessoa, constituindo com essa pessoa
não apenas um encontro, mas uma “união de aliança” que se exprime no “nós”»[3]. Por outras palavras, na
disponibilidade para o outro e no movimento para o outro, a pessoa é reenviada
a si mesma, para estender-se novamente sobre o outro, “num movimento que não
conhece a paz”. É nesta «relação inter-subjectiva, inter- pessoal, que o homem
encontra a sua estrutura no Eu-Tu-Nós. A sua identidade “está no facto de que
ela permite o diferente. (…) Mais concretamente, a essência de uma pessoa é o
amor”[4].
Se a
essência de Deus é amor, se é doação em si mesmo, e se a essência de uma pessoa for também amor,
isto é, entrega, então talvez possamos pensar na forma como um Deus pessoal criou as pessoas e se fez uma pessoa. É certo que Deus é mais do que uma pessoa. Deus é mais
radicalmente pessoa do que o ser humano. Poderíamos inclusive encontrar
expressões como Deus é “suprapessoal”, “suprarracional”, ou “superser”[5]; Deus transcende radicalmente o pensamento
humano mas não amamos o “Mistério absoluto”, “Mistério inominável”, ou
“Mistério oculto. Chama-lo Pai, Criador e Senhor.
Se a categoria de pessoa, de relação, e de amor, puderem ser os conteúdos dos conceitos de ousia, essência, substância, e assim definirem o ato de ser de Deus[6], poderemos pensar também a encarnação e a revelação de Jesus Cristo a partir das mesmas categorias personalistas e relacionais.
Por outras palavras, a perspetiva da essência como relação, amor e acolhimento, pode abrir uma nova perspetiva para a reflexão teológica e cristológica: "a perspectiva de uma onto-teo-logia para a qual, antes do unum, do bonum e do verum, a essência do ser possa ser aportada a partir da charitas”[7].
Por outras palavras a reflexão teológica deve considerar a “transubstanciação da antiga onto-teo-logia”[8], que “define o ser a partir da relação e não tanto da substância”[9].
Fica assim mais ou menos descrito que ao dizermos que Jesus Cristo é Senhor, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, estamos a dizer que Jesus Cristo é uma pessoa em relação com Deus, é o Filho em relação ao Pai.
2. O SER TRINITÁRIO DE DEUS
2.1. "Deus é amor".
A
revelação de Deus a Moisés como Eu sou
aquele que sou (ehjeh aser ehjeh)
(Ex. 3,14), é habitualmente interpretada como definição que Deus dá de si
próprio – da sua ipseidade (asseidade, aseitas) -, e não tanto como
apresentação que Deus faz de si mesmo a Moisés para que ele o apresente ao
faraó e aos habiru (escravos). Na
primeira perspetiva, Deus indicaria a Moisés que possui existência a partir
dEle próprio e não a partir de outro ser, que é ser incausado e não gerado. O
seu nome identifica-se com a sua essência, plena, completa e autossuficiente. A
perspetiva essencialista do nome de Deus é válida porque Deus é ser e sustenta
todas as coisas no seu ser, e está inclusive para além desta definição
linguística, por ser sobretudo inominável e indefinível.
Sucede
que, na revelação que de Deus faz de si mesmo a Moisés, Ele não pretende
definir-se mas dizer quem é para o faraó e o povo hebreu. Nesse sentido,
«exegetas hebreus, protestantes e católicos concordam (…) que este enunciado
contém uma garantia de Deus, pela qual Ele estará sempre presente»[1]. Os estudiosos dizem-nos
que «a palavra hebraica haya não
indica um puro devir, nem um puro estado, mas um ‘ser-ativo’»[2]. O Adonai manifesta-se
como ‘Aquele que é’, não para dizer “o que é”, mas para se manifestar como
‘Aquele que é’ ativamente ‘aqui’”[3]. A revelação mostra que
Deus é “ser-ativo”, “ser-com”[4], “ser-que-caminha”[5], “ser-sujeito”[6], “ser-manifesto”[7], até ser “Emanuel”,
Deus-connosco (Is. 7,14; Mt. 1,3) ).
Esta
perspetiva da revelação de Deus a Moisés, no quadro de uma perspetiva dialógica
e relacional, permite-nos redefinir a “substância” em Deus a partir da categoria
da relação. Efetivamente, Deus revela-se não como uma ideia estática, mas como
alguém que vem conversar com os homens como a amigos, conviver com eles e
convidá-los à comunhão (cf. DV 2). Ele ‘diz’ ao Povo de Israel que está
presente, ativamente empenhado e fiel à sua promessa. Ele ‘diz-se’ por meio dos
chefes, dos reis, dos profetas e dos acontecimentos.
No
Novo Testamento, Deus revela-se não apenas “ser-ativo” ou
“ser-relacionado-com-Israel”, mas como Deus que pode entrar no interior da
história e ‘falar’ com os homens face a face. Cumpre-se na pessoa de Jesus a
passagem de Deuteronómio que diz “hoje vimos que é possível Deus falar com uma
pessoa e ela continuar a viver. (…) Nunca houve alguém que continuasse a viver,
depois de ter ouvido, como nós ouvimos, o Deus vivo a falar no meio do fogo”
(Dt. 5,24-25). Afirma neste sentido a Carta aos Hebreus que “Deus falou muitas
vezes e de muitos modos aos nossos pais pelos profetas, mas nestes tempos que
são os últimos falou-nos por meio do seu Filho” (Heb. 1,1). Deus fala por meio
da sua Palavra única, palavra dita a todos, que reconduz ao Pai por meio da
obediência filial.
Se
Deus diz a sua Palavra é porque é em si mesmo diálogo interno; e se se revela é
porque é em si mesmo presença a outro. Por outras palavras, Deus revela-se a si
mesmo, não uma mensagem nem uma ideia. Esta perspetiva da revelação de Deus, possibilitou
que a teologia do século XX, refletisse na encarnação como a própria autorrevelação
e autointerpretação de Deus em Jesus de Nazaré. Desta forma, «Deus é, numa
unidade indestrutível, ‘o revelante, a revelação e o ser revelado’ ou ‘o Deus
que revela, o evento da revelação e o seu efeito no homem’. Deus é ‘o sujeito,
o predicado e o objeto do evento revelador’[8]. Ou dito de outra maneira,
«Jesus cristo como ‘sujeito intra-histórico’ torna possível o discurso sobre o
ser de Deus, porque Deus esteve no modo de ser deste ‘sujeito intra-histórico’»[9].
De
facto, a manifestação de Jesus Cristo põe-nos em contato, não apenas
tangencialmente, mas pessoalmente, com o ser concreto[10] de Deus. Jesus manifesta
a unidade de Deus, revela-nos Deus, fala-nos sobre Deus; Jesus permite-nos tocar,
ver e ouvir a Deus dentro dos limites da natureza humana; e, por analogia,
permite-nos refletir e falar sobre Deus, sem nunca o esgotarmos.
Vimos
como Deus é para o povo hebreu e que Deus fala em Jesus de Nazaré. Vimos como a
revelação é a revelação de si mesmo. S. João diz que Deus se revela como amor
porque em si mesmo “Deus é amor” (1Jo. 4,8). O ser de Deus não é estático,
imóvel, indiferente, uma determinada coisa, mas é intrinsecamente amor, atuação
de amor. Sendo amor, revela-se como amor.
Podemos
de forma simples articular este pensamento em três asserções:
a) Deus
é na sua essência amor;
b) O
amor como essência única de Deus está presente em cada Pessoa divina;
c) A
essência divina é atuada nos três modos pessoais de amar.
Deus
é um, na Trindade das pessoas. Em Deus, a essência e a existência, o ser e o atuar,
a contemplação e ação coincidem. Deus “é” unidade substancial, “atua-se” como
unidade relacional, “comunga” do amor oblativo. Também cada pessoa divina é
amor e expressa-se no seu modo pessoal de amar, na atuação de si como amor,
numa reciprocidade eterna e infinita. Assim, podemos dizer que no interior de
Deus, Deus-aparece-a-si-mesmo como um-outro-de-si-mesmo[11]: Deus vem a Deus como
Pai, como origem absoluta; Deus vem a Deus como Filho, que é a meta; Deus vem a
Deus como Espírito que é mediação[12]. A interpenetração dos
três modos de ser amor, - “essência doada” na autodoação (suprakenose) do Pai;
“essência tornada a eucaristia” do Filho; e “essência representada”
(hipostizada) no Espírito[13] - faz com que a causa, o
instrumento e o objetivo do amor seja o próprio Deus.
Este
movimento intra-trinitário do ‘tornar-se’ ou do ‘atuar-se’ de Deus (Pai e Filho
e Espírito Santo), numa reciprocidade essencial, mostra-nos que Deus é
autorelação[14],
ser-evento[15],
ser-movimento[16],
eterno-dizer-sim[17]
a si mesmo. Deus é pura atuação relacional, pura realização da unidade substancial.
Deus é em si mesmo um Deus “vivente”, “essente”, que na unidade das três
pessoas “atua-se” como um. Esta abordagem mostra-nos que a essência divina está
em todas as diferentes pessoas divinas e que nenhuma delas é essencialmente
diferente da outra. Afirmar o contrário poderia levar-nos ao triteísmo[18].
A
conclusão que segue resume o que descrevemos e torna-se uma chave hermenêutica
de todo este escrito:
Deus é amor, na sua essência, e no amor, enquanto essência, encontramos todos os atributos do ser divino: amor verdadeiro, bom e belo; amor perfeito, pleno e completo; amor eterno, infinito e imutável; amor indivisível, inalterável, impassível; etc. Esse amor permanece sempre o mesmo, feliz, fiel e uno, porque Deus não pode negar-se a si mesmo. O amor do Pai pelo Filho permanece sempre o mesmo e o amor do Filho ao Pai permanece para sempre, sem mudança, progresso ou mutabilidade; a paternidade e a filiação são imutáveis, inalteráveis, e nunca se extinguem. Mesmo que em Deus coexistam todos as expressões de amor - até a renúncia, a obediência, o sacrifício, a distância, isso não significa alteração, mas mostra que amar é ser amor em ato, é ser auto relação, é ser auto movimento, como vimos acima.
[1]
H. MÜHLEN, La mutabilità di Dio, p. 36.
[2]
H. MÜHLEN, La mutabilità di Dio, p. 36.
[3]
W. KASPER, Gesù il Cristo, p. 242.
[4]
[4]
H. MÜHLEN, La mutabilità di Dio, p.
37.
[5]
E. JÜNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 80.
[6]
E. JÜNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 95.
[7]
E. JÜNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 96.
[8]
E. JÜNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 93.
[9]
E. JÜNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 92.
[10]
E. JÜNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 82.
[11]
P. GAMBERINI, «Tesi sul divenire», in ScC
129 (2001) p. 280. Jungell preferia predicar o
(avvenire) “aparecer de Deus” (Citado de M. BRACCI, Nel seno della Trinità, 249.) para caracterizar a correlação
intratrinitária. Barth optaria por falar do ser de Deus com o (divenire)
“tornar-se” de Deus:.
[12]
A. MILANO, Quale verità,284.
[13]
V. BALTHASAR, La teologia dei tre giorni,
p. 22.
[14]
E. JUNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 103.
[15]
E. JUNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 155.
[16]
E. JUNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 156.
[17]
E. JUNGEL, L’essere di Dio é nel divenire,
p. 157.
[18]
Podemos distinguir - sem separar - a essência de amor e a comunhão de
amor. A este
propósito von Balthasar afirma que existe uma subtil distinção entre a
substância de Deus e a relação em Deus, no sentido de que existe uma distinção
entre o “absoluto amor” e “a comunhão de amor”: «a relação não coincide
totalmente com a essência porque as três pessoas recebem a essência do Pai no
sentido de que exprimem as três maneiras de possuir a essência divina» (V.
BALTHASAR, Lo Spirito della Verità,
Teologica III, Jacabook, Milano 2010, 131).
2.2 O ser de deus está no
“atuar-se”. A distinção pessoal em Deus.
Podemos pensar que os nomes de
Deus – Pai e Filho e Espírito Santo – são nomes de funções, ou de papéis
assumidos, aquando da criação ou da revelação. Sucede porém que os nomes das
pessoas divinas são a identidade de cada uma delas, como os nomes que trazemos
e que dizem quem nós somos. Internamente, Deus é Pai e Filho e Espírito Santo!
Internamente, ad intra, as três pessoas divinas relacionam-se e interpenetram-se
com personalidade e relações diferentes. Não são, portanto, três cópias, três
personagens indefinidas e iguais. Se assim fossem, não seriam “pessoas”.
No credo niceno
constantinopolitano, que é o credo que habitualmente professamos na eucaristia,
afirmamos que o Pai é «criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e
invisíveis»; que o Filho é «Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de
todos os séculos, gerado, não criado»; que o Espírito «procede do Pai e do
Filho». O Credo define as relações do Pai e do Filho e do Espírito com os termos
processão, ou especificamente geração do Filho e espiração do Espírito. As processões
indicam a relação de uma pessoa relativamente às outras pessoas.
O princípio da processão é o Pai,
que, na tradição latina e oriental, é o princípio sem princípio, o princípio
não gerado, não querendo dizer com isto que o Pai seja o princípio temporal ou
criador das outras pessoas divinas. O Pai é o princípio da distinção relacional
das pessoas divinas; a relação do Pai com o Filho e o Espírito é configurativa,
performante ou determinante das suas personalidades. Do Pai procede o modo de
ser de cada uma das pessoas divinas.
O Pai, enquanto o princípio da geração
do Filho e da espiração do Espírito Santo, é o princípio da distinção relacional
das pessoas divinas. O Pai gera o Filho e o Pai e o Filho espiram o Espírito
Santo. Por isso, se diz, que o Pai gera per modum naturae o Filho e gera per
modum voluntatis o Espírito Santo. Como em vasos comunicantes, o Pai gera o
Filho, e ambos informam o Espírito, que é o termo do triângulo de amor. Por outras
palavras, o amor que o Pai e o Filho têm um ao outro é dado, absorvido,
personalizado no Espírito, que personaliza o amor de ambos.
Como são pessoas
diferentes, constituem-se em relações diferentes. Pai e Filho possuem uma
relação “natural” e Pai e Espírito santo possuem uma relação de “liberdade”. Por
aqui se vê que as relações das pessoas divinas não são todas iguais, porque as
suas personalidades também não são iguais.
Na perspetiva
latina, o Pai gera o Filho, e do Pai e do Filho procede o Espírito Santo que personaliza
o amor do Pai e do Filho, e fecha – completa - o círculo do amor trinitário.
Enquanto que a
tradição latina focaliza na perfeição ou completude do amor trinitário, a
tradição grega o centra-se no dinamismo exuberante do amor trinitário, que no
Espírito não tem o seu fecho, mas a sua superabundância[1]. Na teologia
oriental, o Pai é o princípio do Filho e o princípio imediato do Espírito, o
qual, sendo a “liberdade”, o “extremo” ou a “última abertura” em Deus, não
apenas fecha o círculo de uma “reciprocidade completa”[2], mas reabre-o à novidade
das relações intratrinitárias[3].
Independentemente
das perspetivas existe um círculo de amor, um movimento de “sair-de” e
”ir-para”, como se fosse uma dança, a que a tradição latina chamou de
circunincessio, caminho circular, e a que a tradição grega chamou de
pericoresis, movimento em círculo.
Isto
quer dizer que nas duas tradições o Pai e o Filho não se esgotam no amor e que
o Espírito Santo não fecha o círculo da vida intratrinitária: «Deus semper
maior, não apenas para nós, mas para o próprio Deus»[4]. O amor da trindade é um
amor livre, sobreabundante e excedente. (No êxtase ad intra[5], cada Pessoa divina
participa ativamente na processão da outra; e de tal modo se compenetra na
outra pessoa, que um modo de ser divino existe nos outros dois, como os outros
dois existem nesse modo de ser. A esta recíproca imanência, a tradição chamou
de circuminsessio[6].)
Assim,
como temos visto, concluímos que:
a) o
Pai, princípio sem princípio, não gerado nem incausado, sendo Pai, dá-se como
Pai, ama como Pai, constitui-se como Pai no amor do Filho e reconhece-se Pai no
amor do Filho. Ele gera o Filho e suscita a sua imagem no Filho; mas «a geração
do Filho é inconcebível sem o Espírito Santo»[7]. O Pai ama o Filho na
presença do amor criativo, vivo e profundo, do Espírito; gera-O diante da
imagem do amor uno, hipostizado, do Espírito Santo. Deste modo «o Pai gera o
Filho com a participação do Espírito e espira o Espírito com a participação do
Filho»[8].
b) O
Filho recebe o ser do Pai e dá-se sem reservas: «este amor é pleno de
agradecimento (eucaristia) pelo dom do Pai e expressa-se na livre obediência ao
Pai»[9]. Analogicamente, o Filho
ama e dá-se ao Pai, em presença, diante da imagem do amor uno, hipostizado, do
Espírito Santo. Bordoni afirma que «o Pai não se revê plenamente como Pai
somente na relação com o Filho, sem a ekporeusis do Espírito; o Filho não se
revela plenamente como Filho somente na relação com o Pai, sem a presença do
Espírito Santo. O Espírito não se revela só numa espiração do Pai por meio do
Filho, sem a obra de unção que o Pai realiza no Filho e por meio dele»[10].
C) O
Espírito Santo, procedendo do Pai e do Filho (ou por meio do Filho),
personaliza o amor do Pai e do Filho, tornando-se o donum doni no interior da
Trindade; por outras palavras, o Pai e o Filho contemplam-se no Espírito, mas
ao contemplarem-se na imagem do Espírito, permitem que Ele se torna um espelho
refletor, um catalisador dinâmico e surpreendente, do Seu amor.
O
Espírito é deste modo o “vivente” ou “doador de vida” no seio trinitário,
porquanto é o amor inesperado em Deus, o amor sobreabundante, o amor
transbordante, o “demais” do amor em Deus. «O Espírito é mais do que o puro e
recíproco amor do Pai e do Filho, isto é, é mais que o recíproco dar-se, o dom
substanciado. Ele é sobretudo intradivinamente o dom essencial, o amor,
idêntico em cada pessoa, e, ainda assim distinto e incomparável»[11].
Isto
quer dizer que o Espírito é a pessoa que inspira, ativa e atrai o amor
trinitário. Ainda que não esteja nem no princípio nem no final, o Espírito está
no princípio e está no final das relações trinitárias[12]. «O Espírito arredonda a
essência de Deus»[13], no sentido de
proporcionar um círculo de dança, e não o fim de uma linha de transmissão.
Concluamos.
Cada
Pessoa divina, Pai e Filho e Espírito Santo, no “tornar-se presente” um aos
outros, postula reciprocidade, enquanto doação, recebimento e resposta; essa
reciprocidade é sempre surpreendente, criativa e multiforme: «a recetividade
implica neste sentido qualquer coisa de atividade e de passividade. Mas este
tipo de passividade é na realidade um poder, um poder porque ativa novas
expressões de recetividade»[14].
Estas
novas expressões de reciprocidade indicam que uma Pessoa divina nunca se esgota
porque existe um “sempre mais”. No amor vivo, sempre mais intenso, mais
profundo, da Trindade «estão presentes aqueles elementos de surpresa, admiração
e diferença, que são características do misterioso autodoar-se e
interpenetrar-se (circumincessio) do livre amor»[15]. Noutras palavras Deus é
sempre maior não apenas para nós (gnoseologicamente) mas também em si mesmo
(ontologicamente).[16]
Na própria relação amorosa humana, «o amante possui o amado, somente quando, na doação de si, que é uma livre autocomunicação pessoal, envolva uma constante doação, que permite ao amado a revelação e a doação de novos aspetos de si mesmo»[17].
2.3
O Logos em “projeto concreto de encarnação”
No
capítulo anterior, dissemos que Deus é, em si mesmo, autorelação,
automovimento, êxtase ad intra; dissemos que Deus, em si mesmo, atua-se como
reciprocidade na distinção das Pessoas divinas, e ama-se a si próprio e
escolhe-se a si próprio. Descrevemos esse movimento interior da Trindade como
“autoapresentação” das Pessoas divinas a si mesmas, como “atuação” do seu modo
de amar, e definimo-lo nos termos de circunincessio
e de pericoresis. Deus, na sua
essência, é amor, é unidade relacional, é unidade que se atua na reciprocidade.
De
facto, Deus é substância relacional, Deus é amor! Em Deus, existe o Pai e o
Filho e o Espírito, como, em nós, existe Eu e Tu e Nós. Deus é unidade
relacional, como o homem, criado à Sua imagem, é ser relacional: «Ele criou o
ser humano à Sua imagem. Ele o criou homem e mulher». Uma vez que Deus é unidade
relacional, e que a unidade se atua na reciprocidade, assim também a
possibilidade da criação e da encarnação se fundamenta na distinção pessoal em
Deus.
A
cristologia contemporânea fundamenta a possibilidade da criação e da encarnação
em duas direções.
A
primeira direção fundamenta-se no fato de Deus tornar-se outro de si mesmo; a
segunda direção no fato de que o amor de Deus é em si mesmo kénosis[18].
A
primeira direção - tomada por exemplo por K. Rahner, H. Kung, W. Pannemberger
ou W. Kasper - mostra-nos que no ser internamente diferenciado de Deus, na
«passagem ao outro, constitutivo da vida intratrinitária»[19], Deus tem em si a
possibilidade de autodiferenciar-se, podendo ser capaz de ser o próprio num
outro de si mesmo. Por causa da autorelação e da autodiferenciação, Deus pode
realizar a passagem da forma Dei à forma servi, permanecendo igual a si mesmo.
Havendo distinção pessoal, pode haver criação e encarnação.
A segunda
direção é a via kenótica - via do ‘aniquilamento’, tomada por exemplo por S.
Bulgakov, e por V. Balthasar[20]. Por esta via, a
possibilidade da criação e da encarnação são pensadas a partir da processão e
da missão do Filho, e também da processão e da missão do Espírito. Nesta
perspetiva kenótica, «a encarnação não é um episódio na vida e Deus»[21], porque, no evento eterno
das divinas processões e da circumincessio no interior de Deus, existem todas
as modalidades do amor, particularmente, a passividade, a renúncia e a kénosis
do Filho.
Ainda
que a essência de Deus não seja essencialmente kenótica[22], Deus, no Filho, contém,
em antecipação, uma passio charitatis imanente, que poderá consentir uma passio
charitatis economica[23]. O mesmo é dizer que o
Verbo, não se valendo da sua condição divina, pode aniquilar-se si mesmo e
assumir a condição de homem (Ef. ).
Ambas
as direções são validadas e ambas são concordes em afirmar que no Espírito
Santo, que é a “liberdade no amor”[24] e no “profundo mistério
da liberdade em Deus”[25], a Trindade contém, em
antecipação, a possibilidade de um exterior em Deus: «o Espírito é aquele que
torna teologicamente – transcendentalmente possível – uma autocomunicação de
Deus na história»[26].
As
especulações teológicas procuram pensar as condições de possibilidade que em
Deus possam fundamentar a saída de si, na criação e na encarnação.
Independentemente dessas especulações e independentemente das acentuações
teológicas, o Novo Testamento fundamenta a possibilidade da criação e da
encarnação na livre iniciativa do Pai, que, para “cumprimento” da sua glória,
elege a Jesus Cristo, antes da criação do mundo.
Jesus
Cristo é o cordeiro conhecido antes da fundação do mundo (1 Pe 1,20); é o
princípio de todas as coisas (Jo 1,3; Col 1,16.18); Ele é a imagem na qual
fomos predestinados (Ef 1,5; Rm 8,29); o princípio no qual tudo será
recapitulado (Ef 1,10). Ele foi eleito primogénito de toda a criatura e
primogénito de entre os mortos (Col 1,18), porque, por meio dEle, foram criadas
todas as coisas (Col 1,15).
Sendo
o Filho a imagem de Deus, “a irradiação da glória do Pai e a imagem da sua
substância (Heb 1,3), Ele é a única e excecional escolha de Deus. A relação
entre o Pai e o Filho é o motivo dessa eleição: o Pai compraz-se no Filho muito
amado (Lc 3), o Pai encontra a sua expressão no Verbo (Jo 1,1), irradia a
glória na sua imagem.
Neste
sentido, o Logos eterno é o sujeito que consente na eleição do Pai e
autodetermina-se como Cristo; e Deus é o sujeito que elege a Cristo e se
autodetermina como Criador. Assim como o amor é a causa, o instrumento e a meta
da relação essencial no interior de Deus, assim também, na eleição de Jesus
Cristo antes de todos os tempos, Deus escolhe-se a si mesmo, sendo é a causa, o
instrumento e a meta dessa eleição.
Neste
sentido, a partir do momento em que Deus decidiu ser para os homens, o Verbum
incarnandum[27]
foi inscrito no interior da Trindade. M. Bordoni mais exatamente afirma que, a
partir do momento da ‘decisão original’, «é justo falar da presença de Cristo
na obra criadora, não só como Logos eterno, mas como Logos em concreto projeto
de encarnação»[28].
O teólogo afirma ainda que «na primeira criação começa a história da sua vinda
ao mundo, a história da sua encarnação. Então, pode-se falar de uma
‘pré-existência operante de Cristo’»[29].
Para
estes autores, esta decisão originária inicia uma história originária, uma
história praeveniens[30], previdente, que está
intencionalmente, potencialmente, contida na criação do mundo. E mais ainda,
acrescentam que a ‘decisão originária’ de Deus determinaria irrevogavelmente o
próprio ser de Deus, na «eterna autopredestinação divina no autodestinar-nos o
seu próprio Filho»[31].
As
últimas expressões difíceis indicam-nos que a ‘decisão originária’ em Deus,
determinou a que o Verbo entrasse em ‘concreto projecto de encarnação’, e que o
‘desígnio’ da história estivesse contido no segredo de Deus. O amor de Deus tem
estas formas de renúncia, de aniquilamento, de disponibilidade, de novidade,
que nos mostram a liberdade de Deus no amor. Deus não é estático, nem imóvel,
no seu amor; mas é imutável, e fiel, no seu amor.
Desta
forma, e uma vez que Deus se elege como Criador, Salvador e Santificador, o
desígnio histórico-salvífico está dentro de Deus: «este livre projeto inicial,
que é uma ideia formulada numa ordem dinâmica-operativa e que encontrará cumprimento
na plenitude dos tempos (na encarnação e no evento pascal) e no fim dos tempos
(na parusia), guia todo o processo operativo de Deus e a primeira ação criativa
do homem e do mundo»[32].
Assim
delineada, a decisão original de Deus conduz-nos à projetação universal da
história: «se Jesus Cristo é a sabedoria personificada, a recapitulação e o fim
da inteira realidade, então esta realidade no seu conjunto, como cada realidade
singular, recebe dEle e em vista dEle, a própria colocação definitiva e o sentido
definitivo»[33].
Concluamos.
A
preexistência enquanto “ideia-projecto”, “intenção gratuita originária” do Pai
(mysterion) «abre o horizonte universal da história da salvação à luz da
mediação cósmica de Cristo»[34].
É no
seio trinitário, diante da imagem em que serão feitas todas as coisas, que se
delineia o projeto da criação, da encarnação, da redenção, da santificação e da
consumação da história.
É no
seio trinitário que delineia o sentido da criação do homem e da sua abertura à
revelação. Assim, antevemos na eleição de cristo, não apenas o inteiro
horizonte salvífico, mas também o horizonte histórico e antropológico do «ser
logikós (logocêntrico e verbificado)»[35].
[1] W.
KASPER, «Spirito-Cristo-Chiesa», in L’esperienza dello Spirito, in onore do
Edward Schillebeeckx, Queriniana, Brescia, 1974, 74-75.
[2]
Agostinho considera a comum origem do Filho e do Espírito. O Pai é o princípio
ingénito que gera o Filho…
[3] V.
BALTHASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, Jacabook, Milano 2010, 131.
V. BALTHASAR, Spiritus Creator – Saggi teologici III, Morcelliana, Brescia
1972, 93.
[4] V.
BALTHASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, 131.
[5] M.
BORDONI, Gesù do Nazaret Signore e Cristo, 723.
[6] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, Edizioni Dehoniene, Bologna
2005, 243.
[7] F. X.
DURRWELL, Nuestro Padre, 132.
[8] M.
BORDONI, «El Espìritu Santo y Jesùs, Reflesión bíblico-sistematica», in
Estudios Trinitarios 34 (2000/1), 113.
[9] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge University
Press, Cambridge 2007, 113.
[10] M.
BORDONI, «El Espìritu Santo y Jesùs, Reflesión bíblico-sistematica», 11. Dito
doutra maneira, «o Espírito Santo que procede do Pai repousa no Filho, a que
corresponde a per Filium ed ex Patrem Filioque. O Espírito Santo não
reconfirmado somente na dimensão de amor entre o Pai e o Filho, mas é aquele
que actualiza o amor no qual os três se comprazem» ( M. BORDONI, Cristologia
nell’orizzonte dello Spirito, 203-204)
[11] V.
BALTHASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, 132.
[12] F. X.
DURRWELL, Nuestro Padre, 84.
[13] V.
BALTHASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, 132.
[14] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 123.
[15] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 127.
[16] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 125.
[17] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 127.
[18] P.
GAMBERINI, Tesi dul divenire, 277.
[19] P.
GAMBERINI, Tesi dul divenire, 279.
[20] Esta
direcção da cristologia foi tomada por von Balthasar com a ideia da kénosi
original figurada no cordeiro imolado este toda a ternidade e por Bulgakov com
a ideia de uma cruz inscrita na criação do mundo da eternidade.
[21] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 22.
[22] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 40.
[23] A.
MILANO, Quale verità, 100.
[24]
Expressão de Kasper, 232, 252, 253, etc.
[25] V.
BALTHASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, 193.
[26] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 252.
[27] M.
BRACCI, Nel sento della Trinità, 252.
[28] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria, Attesa, 414.
[29] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Signore e Cristo, 737. Nesta mesma linha, E. Jüngl considera que o
«o Filho de Deus não pode ser pensado nesta história sem o homem Jesus, o Logos
eterno não pode ser pensado sem o Logos a-sarkós»[29]. E. JÜNGEL, L’essere
di Dio é nel divenire, 45.
[30] A.
MILANO; Quale verità, 285.
[31] A.
MILANO; Quale verità, 286.
[32] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Signore e Cristo, 730.
[33] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 263.
[34] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria, Attesa, 405.
[35] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria, Attesa, 415.
3. JESUS DESTINATÁRIO DO ESPÍRITO
3.1.
«O Verbo fez-se carne».
A
“dimensão configurativa” do Espírito na obra da encarnação.
Andrea
Milano resume a encarnação do Verbo de Deus nos seguintes termos: «começar a
ser, situar-se numa cadeia de antepassados a partir da qual se é assinalado e
determinado de forma misteriosa; ser dado à luz, crescer, ter de alimentar-se,
poder gerar, morrer; estar condicionado por um organismo físico, complicado,
desconhecido, até para aquele que pensa e age; poder ser dado, inerme, em troca
de outra coisa; ser golpeado, recoberto de escarros, corado de espinhos,
cravado em duas traves e, até que se não morra, ser escarnecido, e dessa forma,
constituir a essência da definitiva revelação de Deus»[1].
Nos
capítulos anteriores, vimos que Deus escolheu o Verbo antes de todos os séculos
para ser o Cristo, o primogénito de toda a criatura. E quando chegou a
plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho ao mundo nascido de uma mulher
(Gál ). Ou, como anuncia o evangelista, «o Verbo fez-se carne e habitou entre
nós» (Jo 1,14). O apóstolo João afirma que o Verbo era Deus e estava junto do
Pai (voltado para o Pai, pró Theos,) e se fez carne (sarx). A forma verbal
“fez” (egheneto) indica o realismo da nova condição do Logos e a palavra
“carne” (sarx) manifesta a nova forma do Logos que habita no meio de nós.
Trata-se
de uma explícita cristologia da encarnação, uma cristologia do alto, que delineia
o movimento que vai da preexistência do Verbo à sua encarnação. Esta
cristologia descendente reflete-se também nos escritos paulinos: «Ele, que era
de condição divina, não se valendo da sua igualdade com Deus, aniquilou-se a si
mesmo, assumindo a condição de servo» (Fil 2,6-7). O apóstolo afirma ainda que
Cristo Jesus «é anterior a todas as coisas e por Ele tudo subsiste (…). Nele
habita a plenitude da divindade e por Ele foram reconciliadas todas as coisas,
pelo sangue da sua cruz» (Col 1,17.19).
Enquanto
no prólogo joanino e nos hinos paulinos a divindade de Jesus é afirmada a
partir da preexistência do Verbo, na tradição sinótica, a divindade é
manifestada na intervenção do Espírito Santo na conceção virginal. Os
evangelhos sinóticos narram a existência histórica de Jesus como Deus a
caminhar entre nós, numa espécie de cristologia da terra, que sublinha como o
Verbo de Deus se tornou concretamente este homem Jesus de Nazaré. A sua humanidade
concreta é afirmada logo ao início do Evangelho: Jesus é o Filho de Maria (Mt 1,16),
por ela concebido (Mt 1,20; Lc 1,31) e dela nascido (Lc 2,6-7), enquanto a sua
divindade é confirmada na referência à conceção por obra do Espírito Santo (Mt
1,20; Lc 1,35), e manifestada através das “profecias” e dos “sinais” (Lc
1,5-25). Nos evangelhos sinóticos, a realidade da encarnação é manifesta na
descrição de Jesus que tem fome e sede, que se alegra e se angustia, que
condivide os sofrimentos dos pobres e se cansa nas viagens, ao passo que a sua
divindade é justaposta à ação do Espírito Santo: «Aquele que está nela foi
gerado pelo Espírito Santo» (Mt 1,20).
Com
mais acentuações na preexistência do Verbo ou mais acentuações na ação do
Espírito Santo, as diferentes tradições anunciam que o Verbo se fez homem. Deus
está todo inteiro na obra da encarnação; nas Pessoas divinas encontra-se o
fundamento da encarnação: no Pai que decidiu enviar o Filho, e no Filho que
aceitou tornar-se homem, e no Espírito que abriu infinitas possibilidades da
comunicação de Deus. Como diz S. Tomás: “A obra da conceção do corpo de Cristo
foi realizada por toda a Trindade. (…) Ao Pai é atribuída a autoridade sobre a
pessoa do Filho. (…) Ao Filho é atribuída a assunção da mesma carne. Ao
Espírito é atribuída a formação do corpo assumido pelo Filho” (III,q.32,a.1).
Mas
qual é a ação do Espírito Santo na encarnação do Verbo de Deus? O Espírito
precede a encarnação, acompanha o Verbo na encarnação ou dispõe a Virgem Maria
para o acolhimento do Verbo?
Façamos
neste ponto um breve percurso histórico.
Os
Padres da Igreja afirmaram uma ação singular do Espírito Santo na conceção do
Verbo de Deus no seio virginal de Maria e no crescimento em estatura e graça de
Jesus de Nazaré. Mas as suas afirmações não indicam ainda uma clara reflexão
sobre o papel do Espírito na encarnação[2]. Ainda que tivessem um conhecimento
certo da conceção do Verbo por obra do Espírito Santo, centraram-se no Verbo
como agente da encarnação, o sujeito da união hipostática. Curiosamente,
atribuíram no contexto da união das duas naturezas divina e humana, o papel da
“unção” à natureza divina do Logos[3] que repousa sobre a sua
natureza humana. A “unção” é uma propriedade do Espírito Santo. A identificação
da unção com a natureza divina de Cristo permite o quase desaparecimento do
Espírito Santo na obra da encarnação. Parece complicado, mas se tivermos em
mente aquilo que ficou dito acerca da passagem de uma real teologia da
encarnação a uma teologia especulativa da assunção, que justapõe duas naturezas
distintas em Cristo compreendemos mais facilmente a noção de que a divindade
“unge” a humanidade de cristo.
O
primeiro concílio ecuménico de Niceia, em 325, definiu, no artigo do credo, a
realidade da encarnação do Verbo de Deus, com as palavras: «Ele pela nossa
salvação desceu dos céus, encarnou-se e fez-se homem» (DZ 126). O credo
niceno-constantinopolitano, em 486, definiria mais precisamente a intervenção
do Espírito Santo na obra da encarnação: «desceu do céu e encarnou no seio da
Virgem Maria por obra do Espírito Santo. Aí se fez homem» (DZ 150). Sucedeu que
as diferenças doutrinais entre monofisitas e nestorianos centraram o debate
cristológico na união das duas naturezas na pessoa de Cristo, e desvalorizaram
a dimensão pneumatológica na encarnação do Verbo de Deus. E, assim, «no final
do processo exclui-se o Espírito como realidade constitutiva do evento
cristológico, (…) reduzindo-o ao próprio agir do Verbo, à própria união
hipostática da divindade e humanidade em Cristo»[4].
No
seguimento da tradição patrística, os teólogos da escolástica – sobretudo Pedro
Lombardo, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Boaventura[5] - falariam da ‘graça’ da
encarnação de três modos:
- a
‘graça’ da encarnação é a vontade de Deus, o princípio ativo comum às três
pessoas divinas[6];
- a
“gratia unionis” é a graça incriada (aqui a natureza divina do Verbo encarnado)
que opera a união hipostática e unge a natureza humana[7];
- a
“gratia capitis” é a graça consequente à “gratia unionis” (ainda a natureza
divina do Verbo encarnado que comanda a existência histórica de Jesus).
Uma
vez que Verbo de Deus é o sujeito da união hipostática, a causa da ‘unção’ terá
de ser a divindade do Verbo que unge a natureza humana. Identificam-se assim os
conceitos de “união”, de “unção” e de “graça”, atribuídos diretamente à
natureza divina do Verbo encarnado[8]. As coisas postas desta
maneira indicam uma clara ausência do Espírito Santo. Mas é preferível dizer
que não há uma explicitação clara do artigo do Credo “et incarnatus est de
Spíritu Sancto” do que dizer que não referência alguma. S. Tomás é disso
exemplo na questão 32, da III parte da Suma Teológica.
Diz
Tomás de Aquino que o obra da incarnação é de toda a Trindade (III,q.32,a.1), o
que significa dizer que todas pessoas operam simultaneamente não podendo ser
especificadas as propriedades de cada qual[9]. Desta forma quando se
fala em operação conjunta da Trindade, podemos também falar, por apropriação,
da operação particular do Espírito Santo. O modo mais explícito que S. Tomás
emprega para afirmar a clara participação do Espírito Santo na obra da encarnação
é o enunciado que preside à questão 32 “do princípio ativo na conceção de
Cristo”: que é o Espírito Santo como graça na obra da conceção do corpo de
Cristo (a.1), que é o Espírito Santo como princípio de eficiência em relação ao
corpo assumido (a.2), que é o Espírito Santo como princípio ativo da conceção
(a.3). Efetivamente, S. Tomás enuncia as questões sem entrar em detalhes. O papel
do Espírito Santo é visto como princípio ativo na formação do corpo de Cristo
no seio da Virgem Maria.
S.
Tomás efetivamente aborda a operação do Espírito Santo na conceção do corpo no
seio de Maria, sendo omisso na particularidade do Espírito nesta operação, mas
é mais claro em referir que o Espírito Santo é dado a Cristo como graça santificante
e graça perfecionante: “a união da natureza humana com a pessoa divina (…)
precede a graça habitual em Cristo” (III a.13). No seguimento da ordem das
processões trinitárias, a intervenção do Espírito seria um “ato segundo” e
subsequente à encarnação; seria como ‘graça santificante’ que repousa sobre
Jesus, depois da encarnação, e não explicitamente como co-agente da encarnação.
S. Tomás segue neste ponto a ordem das processões trinitárias e das missões
divinas. Ainda no século XX, H. Mühlen conservaria o nexus mysteriorum segundo
o qual o Espírito, que procede depois do Verbo na ordem teológica, procede o
Verbo na ordem económica, como graça habitual[10].
No
século XX, a redescoberta da escritura, da patrística, da liturgia, da
eclesiologia, da pastoral, do ecumenismo, etc, levou a uma redescoberta do
lugar do Espírito Santo na revelação e na Igreja. A reflexão teológica
aprofundou a dimensão pneumatológica em toda a vida de Jesus de Nazaré.
Aprofundou também a ação do Espírito Santo na obra da encarnação,
particularmente H. U. von Balthasar e W. Kasper.
Von
Balthasar mostra que, ainda que o Verbo de Deus seja o sujeito da encarnação,
não se lhe pode atribuir diretamente um papel ativo na assunção da natureza
humana. Von Balthasar substitui o argumento escolástico que segue a ordem das
processões intratrinitárias pela inversão trinitária na ordem económica. Von
Balthasar, no seguimento de outros autores como Sergei Bulgakov, entende que,
na ordem económica, o Espírito Santo é moção e unção, e que o Filho é sempre
disponibilidade e receção. Também no cumprimento da encarnação, o Filho é obediência,
disponibilidade e passividade voluntária, e o Espírito é ativo na sua
realização[11].
As passagens que seguem ajudam-nos a clarificar o pensamento do teólogo suíço.
Afirma
o autor que «o Espírito é o Espírito do Pai e do Filho; Ele é mandado à Virgem
obviamente como Espírito do Pai, ao mesmo tempo que, como Espírito do Filho,
move o Filho em conformidade com a sua disponibilidade filial a deixar cumprir
em si a união hipostática, em obediência apriorística, mas não passiva»[12]. Diz ainda que: “o papel
do Espírito Santo não consiste simplesmente em encontrar no homem Jesus Cristo
um instrumento (…), Mas, expressamente, estendendo à Virgem Maria a sua sombra,
de transportar o Filho de Deus ao estado de ser-homem”[13] E continua: “O Espírito
incita o Filho, conforme à sua disponibilidade de Filho, a deixar cumprir a
união hipostática (numa obediência àpriori mas não passiva) (…) A encarnação e
a unção da humanidade coincidem perfeitamente (…), da mesma forma que a unção
da humanidade de Cristo coincide com a natureza divina e com o Espírito Santo”[14]. E termina: «o Espírito é
no Filho o autor da sua encarnação e de toda a sua consequente exposição ao
Pai»[15].
Walter
Kasper, depois de ter mostrado que a teologia tradicional não estava à altura
de fazer valer o aspeto pneumatológico da encarnação, mostra que o Espírito,
sendo ‘a liberdade e a gratuidade em Deus’, é o fundamento da liberdade e o
princípio da criatividade de Deus no mundo: «n’Ele, nesta liberdade no amor,
Deus tem a possibilidade de ‘produzir’ um exterior (…). O Espírito é portanto
por assim dizer aquele que torna teologicamente-transcendentalmente possível
uma livre autocomunicação de Deus na história. N’Ele Deus pode não só
manifestar a própria liberdade no amor, mas também realizá-la»[16]. Ainda que Kasper guarde
algum silêncio quanto à intervenção do Espírito na encarnação[17], aponta o Espírito como a
abertura, a liberdade ou o pressuposto[18] do esvaziamento do Verbo
na encarnação. Para Kasper, o Espírito é o precursor da encarnação[19].
Concluamos.
A intervenção do Espírito Santo na encarnação do Verbo de deus não pode ser
reduzida à intervenção específica na conceção virginal de Maria, nem pode ser
reduzida à unção depois da união hipostática, como graça santificante[20]. Em primeiro lugar a
encarnação envolve toda a Trindade. De facto a encarnação implica o agir do Pai
que envia o Filho, a disponibilidade do Filho que se deixa enviar, e o ato do
Espírito que acompanha a vinda do Filho. Particularmente o Espírito, sendo o
movimento, a abundância, a liberdade e o êxtase em Deus, sendo o pressuposto (a
causa eficiente) da criação e da revelação, é também a condição transcendental
da encarnação. Sendo a imagem do amor vivo, criativo e transbordante em Deus, o
Espírito multiforme exercita a função “configurativa” que possibilita a descida
do Verbo sobre a terra.
Posto isto, depois de termos distinguido a intervenção configurativa do Espírito na obra da encarnação, podemos distinguir a função comunicativa-dispositiva do Espírito no processo de crescimento de Jesus[21].
3.2
«Crescia em sabedoria, em estatura e em graça»
Os
evangelhos mostram-nos que toda a vida de Jesus está voltada para o Pai: «O
Verbo estava em Deus» (Jo 1,1.18). Logo no princípio, na perda e encontro no
templo de Jerusalém, o Menino respondeu «Não sabeis que devo ocupar-me das
coisas do meu Pai», e, no final, Jesus grita «Pai, nas tuas mãos entrego o meu
espírito». O Pai é desde sempre a única referência de Jesus: no rio Jordão, no
Tabor, no monte das Oliveiras e no Gólgota! Do princípio ao fim do evangelho, o
Pai gera o Filho.
A
relação Pai/Filho é o fundamento da experiência filial de Jesus. Isto quer
dizer que o Pai é o princípio determinante e informante da experiência
histórica do Filho; e o Filho responde-lhe exclusivamente na força do Espírito.
Assim como no seio trinitário o Pai gera o Filho na presença do Espírito, assim
tambna economia da salvação o Pai gera a Jesus na força do Espirito Santo.
Jesus é todo o enlevo do Pai (Mc 1,11)!
Parece-nos
assim que aquilo que é eterno, perfeito, imutável e impassível, na natureza de
Deus, não é a matéria de que é feita a coisa; não faz sentido procurar em Deus
aquilo de que Ele é feito. É antes a relação Pai/Filho que permanece
inalterável; é a paternidade de Deus que se estende desde toda a eternidade que
é inseparável da geração e da filiação de Jesus de Nazaré. A paternidade e a
filiação são movimentos que se interpenetram e que se correspondem
simultaneamente!
Neste
sentido, os processos e os ritmos de Jesus não indicam que Ele um dia há-de
tornar-se o Filho de Deus, nem mostram que Jesus se prepara para uma relação
mais intensa com o Pai. Jesus é sempre o Filho a viver plenamente como Filho
cada momento da sua vida[1]. Ele é um Filho que se
deixar gerar desde sempre pelo Pai, e um Filho que nunca se separa do Pai.
Jesus refere-se exclusivamente ao Pai, crescendo em sabedoria, estatura e graça
(Lc 2,42), e atravessando a infância, adolescência, juventude.
Cada
momento da sua vida é vivido na convergência do Pai, como pró-existência,
caracterizada pelo evangelista S. João como “passagem” para o Pai (Jo 13,1),
como “saída” para o Pai (Jo 16,28). Todas as etapas de humanização, de
personalização e de socialização, são um tempo de “relativa absoluteza”[2], de absoluto referimento
ao Pai.
De
facto os diferentes estádios e as diferentes formas do amor (amor silencioso,
dócil, puro, obediente) manifestam a permanente tensão de retorno para o Pai.
Podemos dizer com V. Balthasar que «o Filho vem temporalmente retornando ao Pai
e que na sua vinda se atua o seu próprio retorno»[3]. Ou ainda que «o modo
temporal da recetividade do ser é em Cristo a expressão criada da eterna
relação de recetividade com o Pai»[4].
Por
outras palavras, «o tempo de Jesus exprime a perfeição e completude da
eternidade, que contém contemporaneamente todas as coisas, como indica a
formulação clássica de Boécio tota simule et perfecta possessio»[5].
Jesus
vive neste sentido da “visão de Deus”, que não é somente a forma ocular de
perceber a realidade de Deus, mas é sobretudo a plena relação com Deus, e a
plena comunhão de ser. A tradição descreveu esta visão como visio beatifica.
Karl Rahner mostra que a visio beatifica não é a visão ocular de Deus (aquela
que têm os seres celestes, os anjos); mas é visão
imediata enquanto absoluta imediatez de Deus e total possessão de Deus.
Com
a expressão visão imediata, o autor mostra que mesmo a disposição e a consciência
originária, apriorística, atemática, irrefexa, de Jesus, está toda sob o amor
do Pai; com experiência da história, da cultura, do ambiente e da religião, e
com a autocomunicação iluminante da graça de Deus, torna-se consciência explícita,
temática, categorial, conceptual e ‘aposterioristica’[6]
A
oração manifesta de forma explícita a relação original entre o Pai e o Filho.
Jesus, a partir da oração, interpreta a experiência originária com o Pai,
chamando a Deus de Abbá (Mc 14,36; Lc 10,2). A oração é o coração da
experiência religiosa de Jesus, tornando-se fundamentalmente um ato filial:
«quem reza deixa-se gerar, filializa-se rezando (…). Jesus em oração é Jesus na
filiação»[7].
É
certo que não podemos dar sempre linguagem, definição, termo, à relação de
Jesus com o Pai; a linguagem primeira e originária da infância, a título de
exemplo, seria com certeza uma expressão afetiva e emotiva, mas isso não
significa que não haja uma linguagem na relação Pai/Filho. Independentemente do
seu modo de linguagem, a experiência que Jesus tem do Pai não é uma experiência
simbólica nem apofática; trata-se de uma experiência que supera a semântica
humana: «a experiência e a linguagem humana de Jesus estão infinitamente para
além da ‘semântica humana’, fundada sobre a analogia criativa do ser das coisas[8].
No
seio trinitário, o Pai gera o Filho na presença do Espírito, e o Filho ama o
Pai na presença do Espírito Santo. O Pai e o Filho amam-se diante da imagem do
Espírito e dão-se de tal ordem que “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Assim
também na economia da salvação. O Pai gera a Jesus enviando-lhe continuamente o
Espírito, para que Jesus impulsionado pelo Espírito possa corresponder ao Pai
com um amor total e perfeito.
O
Pai gera continuamente o Filho e envia-lhe permanentemente o Espírito, com o
qual Jesus tematiza e discerne o imenso amor que sente do Pai, e com o qual
Jesus centra-se no Pai[9] (Lc 2,49; Mc 1,11). É
neste sentido que podemos afirmar que Jesus percorrerá todas as fases do ser-se
carne[10], na total “concentração
da graça”[11],
à luz do Espírito, que o guia nos atos íntimos de fé e de amor, e o ilumina nas
resoluções pessoais.
Isto
não significa que o Espírito substitua o Pai, como se fosse uma espécie de
mediador entre Pai e Filho; nem quer dizer que o Espírito se substitua a Jesus,
condicionando-o na sua liberdade e dando por Ele a resposta de amor. H. Mühlen,
a este propósito, nota que o Logos teve uma história humana real em Jesus de
Nazaré e acrescenta que «o Espírito Santo não está na natureza humana,
comunicando-lhe o ser pessoal e garantindo-lhe a continuidade histórica; Ele
está na graça criada (…), não lhe está unido hipostaticamente; Ele une-se a uma
natureza já pessoal»[12].
O
próprio L. Ladaria afirma que «em nenhum lugar se afirma expressamente que a
possessão do Espírito por parte de Jesus ou a inabitação do Espírito seja o
fundamento da sua relação especial com o Pai. É evidente que o Espírito repousa
em Jesus para o anúncio do Reino»[13].
Neste
sentido, podemos dizer que o Espírito tem uma função criativa-dispositiva que
pode ser caracterizada como permanente determinação do Verbo encarnado.
Concluamos.
A
relação essencial de Jesus com o Abbá define a pessoa e constitui a missão de
Jesus como anúncio da Basileia tou Theou
A
relação dialógica com o Pai é o fundamento da “pretensãa singular-absoluta-universal»[14] e o fundamento
cristológico do “Eu sou” (Jo 8, 24; 28,28; 1,19). As afirmações que Jesus fará
de si mesmo e o seu estilo particular de missão revelam «a intuição de
extraordinária consciência pessoal, antes de qualquer desenvolvimento da tradição»[15].
Da
relação íntima com o Pai, e sob inspiração do Espírito, o Reino irrompe na
consciência de Jesus, como iminente acção de Deus e não mais como promessa
futura. Pode-se por isso dizer que «Jesus se compreendia, vivia e operava a
partir de uma realidade que era excedente paraEle, mas que parece irromper cada
vez mais na sua vida (…). A Basileia tou Theou determina o ser do próprio
Jesus»[16].
Por outras palavras, a referência fundamental e imediata ao Alto torna-se “pro-existência” para os outros e “práxis relacional”. Curiosamente G. Ward nota que é durante a missão do Filho do Homem, que não tinha onde repousar a cabeça, que se desloca de aldeia em aldeia, sempre circundado de anónimos, dos discípulos e da multidão, que Jesus se reconhece a Ele mesmo e à sua missão messiânica[17].
3.3«Ungido
com o Espírito e seu poder»
O
batismo é um acontecimento da vida de Cristo descrito por todos os evangelistas
(Mt 3, 16-17; Mc 1, 10-11; Lc 3, 21-22; Jo 1, 32-34).
É
também referido na pregação de Pedro nos Atos dos Apóstolos: «Deus ungiu com o
Espírito Santo e seu poder a Jesus de Nazaré, que caminhava de lugar em lugar,
fazendo o bem e curando todos aqueles que eram oprimidos pelo diabo” (At 10,
38).
Apesar
de Jesus ter vivido sob o influxo do Espírito Santo durante toda a sua vida,
Ele não aparece durante a sua vida oculta como Aquele que opera com o poder do
Espírito Santo (At 10, 38).
De
facto, só na unção batismal Jesus é consagrado como Cristo, o Messias, o ungido
do Senhor em ordem à missão messiânica: «a comunicação do Espírito Santo no
batismo constitui o momento de entronização no ofício profético-messiânico»[18].
Sucede
que o batismo no curso da história foi sendo refletido e desenvolvido no seu
carácter simbólico, apologético e moral. O batismo servira para mostrar a
humildade de Jesus, o exemplo de Jesus, a aprovação do batismo de João e a sua
superação, a santificação das águas, a revelação da identidade messiânica, o
anúncio da salvação, etc[19].
Não
se conseguia, no entanto, compreender o batismo como uma verdadeira “unção”,
que daria início e forma à missão do Messias. Essa incompreensão prendia-se com
a dificuldade de relacionar a “unção” da encarnação – enquanto “repouso” do
Espírito sobre Jesus, desde sempre - com a “unção” do batismo – enquanto poder
de redenção, conforme o livro do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está
sobre mim porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres” (Is 61,1-3;
Lc 4,18-19).
Vamos,
desta forma, considerar «o realismo da unção batismal de Jesus, como ‘evento do
Espírito acontecido nEle’ (aspeto cristológico-pneumatológico), e como ‘evento
significante do poder operante nEle’ (aspecto pneumatológico-cristológico)»[20].
O
quadro cristológico-pneumatológico é o quadro onde se configura aquilo que
acontece a Jesus, que é desde sempre o santo ou o ungido de Deus[21]. Nesta perspetiva, a vida
de Jesus é um “permanente batismo no Espírito” até ao batismo de sangue (Mc 1,
8; Mt 3, 11; Lc 3, 16).
No
quadro cristológico-pneumatológico, o batismo de Jesus deve ser entendido, em
primeiro lugar, como uma manifestação da condição filial e divina de Jesus,
como a expressão da sua autoconsciência filial. De facto, o “permanente batismo
do Espírito” guiou à plena maturação – no sentido de tematização - da
consciência de Jesus[22], ao conhecimento da sua
condição filial, de tal modo que o batismo de Jesus é o selo que confirma a sua
filiação[23].
De
igual modo, na autocompreensão de si próprio como Filho de Deus, na
autoexplicitação da sua identidade, Jesus compreende e assume a sua consagração
como o ungido, como o Cristo: o conhecimento explícito da sua condição filial é
o fundamento da consagração como Messias. Por esta razão, Jesus manifesta o
pleno conhecimento do Pai e do cumprimento da vontade do Pai, dizendo a João
Batista, no rio Jordão: “Deixa por ora, é preciso que se cumpra toda a
justiça”. A justiça é a vontade de Deus!
Neste
sentido, o batismo é a manifestação histórica da consciência plena da sua
identidade e da sua consagração como Messias. O batismo é o acontecimento que
manifesta aquilo que se passa dentro de Jesus, do seu conhecimento como Filho
de Deus e da sua consciência como Ungido.
No
quadro penumatologico-ecclesiologico, o batismo é considerado como o início da
missão messiânica de Jesus.
A
partir do batismo, o Espírito Santo preside à escolha do tipo de messianismo de
Jesus.
De
facto depois de ter guiado Jesus ao deserto para ser tentado pelo diabo – «as
tentações de Jesus são tentações messiânicas, respeitam ao modo como Jesus
compreendeu a sua missão»[24] (Mc 1,12; Mt 4,1; Lc 4,1)
-, o Espírito Santo conduz Jesus para a Galileia (Lc 4, 14; At 10, 37-38).
Depois,
o Espírito Santo inspira o anúncio da boa notícia do Reino de Deus aos pobres
(Lc 4,18), opera a expulsão dos demónios (Mt 12, 28; Lc 11, 20), move Jesus
para a oração e a exultação (Lc 10, 21).
Estes
lugares evangélicos mostram-nos claramente que «o Espírito é a força de
libertação, de evangelização e de contemplação de Jesus»[25].
Neste
quadro pneumatológico-eclesiológico podemos ver que o batismo de Jesus anuncia
e possibilita a comunicação do Espírito.
Cristo
é aquele que batiza no Espírito e no fogo (Jo 1, 32-33), aquele que dá o
Espírito sem medida (Jo 3, 34), que faz correr rios de água viva no coração dos
crentes (Jo 7, 38), que promete o Espírito àqueles que acreditam (Jo 14, 16;
15, 26).
Também
os relatos evangélicos nos indicam que Jesus é sabedor da ação do Espírito como
advogado, paráclito, consolador.
A
mensagem de Jesus aparece nova, não como anúncio iminente do fim, mas como
anúncio da “era da graça”[26].
A
relação com o Pai forma em Jesus a consciência do Reino de Deus, a consciência
da basieia tou Theoum, e que é confirmada pela exousia (Mc 1,22), pela
autoridade de agir em nome de Deus. Este poder é exercitado como cura,
exorcismo, perdão dos pecados, parábolas, ensinamentos.
De
igual forma, a atividade messiânica de Jesus, com exousia, confirma a
identidade do Filho de Deus. De facto, «Jesus tinha a certeza interior que a
resoluta decisão divina para a salvação se estava a cumprir no presente através
do seu ministério público»[27].
Concluamos.
Se a
filiação divina é o fundamento da sua missão messiânica, assim a missão
messiânica confirma a sua identidade divina.
O
batismo não é desta forma a comunicação de dons carismáticos que pudesse fazer
de Jesus um Messias cheio do Espírito; mas, ao contrário, o batismo é a unção
que faz com que Jesus seja o Senhor do Espírito, para que o Senhor o comunique
aos homens[28].
Assim,
Jesus “evangeliza o Espírito”[29], de modo que, sendo dado
como primícias aos pobres, seja dado depois a toda a humanidade como salvação
universal.
4. A
morte de Cristo como mistério filial
4.1
“Tudo está consumado»
Jesus
de Nazaré, que viveu a nossa condição humana em tudo igual a nós, exceto no
pecado (Heb 4,15), submeteu-se às condições da nossa humanidade; Jesus entrou
realisticamente na existência humana, atuando-se - “tornando-se” – o Filho de
Deus; “tornar-se” é um verbo muito repetido na Carta aos Hebreus, que deverá
ser entendido como o “atuar-se” do Filho de Deus em cada etapa da vida humana.
De facto, em Jesus, a essência e a existência são a mesma coisa; a essência
atua-se na existência e a existência atua a essência – não existe
potencialidade, ou possibilidade de vir a ser.
Por
essa razão, a hora da Paixão, da Crucificação e da Morte de Jesus não podem
deixar de ser um acontecimento de geração paterna e de simultânea resposta
filial. A Carta aos Hebreus fala deste mistério de geração paterna e de
identidade filial como mistério de obediência de Jesus ao Pai. O Pai pediu-lhe
a vida toda, e o Filho, em resposta ao Pai, oferece-lhe a vida toda; o Pai pede
tudo e o Filho dá-se a si mesmo. Na verdade, o Filho de Deus não se aproximou
de Deus com o sangue de touros ou de cordeiros, mas com o próprio sangue (Heb
10,12); Ele não atravessou o véu do templo terrestre, mas atravessou o véu da
própria carne (Heb 10,24). Cristo realizou a redenção, por meio da obediência, nEle
próprio.
A
oferta de si mesmo não é um ato espontâneo de amor[1], mas é, em primeiro lugar,
um ato de obediência filial, um ato de resposta filial ao amor do Pai que o
gera continuamente. A salvação é o acolhimento da vontade do Pai e a obediência
à vontade do Pai: «eis que venho para fazer a tua vontade» (Heb 10-5-10). Assim,
a salvação trazida por Cristo realiza-se, acontece, atua-se, na própria
santificação do Filho de Deus que se deixa gerar pela obediência. É neste
acolhimento e nesta obediência de Jesus que Ele próprio é santificado e que nós
seremos santificados.
A
Carta aos Hebreus mostra, no entanto, que essa obediência ao Pai foi querida e
conquistada, não de uma forma fácil, mas com muitas lágrimas e lamentações. A
Carta aos Hebreus mostra como Cristo experimentou na sua carne todas as
provações, tornando-se ele próprio o santificado e o santificador (Heb 1,11), o
cordeiro e o sumo sacerdote (Heb 7,26-27); Jesus foi provado em tudo como nós
(Heb 4,15), apresentou súplicas e orações a Deus Pai (Heb 5,7), aprendeu a
obediência no sofrimento e foi levado à perfeição (Heb 9,5.8), para “tornar-se
para todos os que lhe obedecem causa de salvação eterna» (Heb 5,7-9) e Mediador
de todos os homens (Heb 8,6).
As
cartas paulinas refletem também a entrega que Deus faz do seu Filho ao mundo
para que Jesus realizasse a salvação em si mesmo. As cartas mostram-nos que
Deus enviou Jesus «na carne semelhante à dos pecadores em vista do pecado» (Rm
8,3), que «Deus o fez pecado por nós» (2 Cor 5,21), para que na carne do pecado
(na condição humana) Jesus pudesse ser a causa de salvação para todos os
homens.
Paulo
reflete como Cristo acolheu a decisão do Pai e aceitou ser morto pelos nossos
pecados. Jesus «foi entregue pelos nossos pecados» (Rm 4,25), «foi morto pelos
nossos pecados» (1 Cor 15, 3), tornou-se «a vítima de expiação pelos nossos
pecados no madeiro da cruz» (1Ped 2,14), para destruir o pecado no seu corpo
(Rm 6,6).
Note-se
que as cartas paulinas não atribuem a Deus a intenção ou a necessidade da expiação
ou da satisfação vicária de Jesus; pelo contrário, pretendem sublinhar o papel
do Pai na entrega do Filho ao mundo, a fim de que, obediente até à morte (Fil
2,8), trouxesse para todos a justificação (Rm 5,19).
Ainda
que os evangelhos descrevam o mistério da paixão com diferentes matizes, todos
os evangelistas procuram ressaltar o acontecimento da cruz como um ato de
obediência filial, com o qual Jesus cumpre a vontade do Pai (Mc 14,36) e
consuma o seu desígnio de salvação. A hora cruz torna-se assim um acontecimento
de um Pai que entrega o Filho e de um Filho que volta para o Pai.
Os evangelhos mostram-nos como o Filho sofre a paixão para entrar na sua glória (Lc 24,26), dá a sua vida a fim de poder retomá-la (Jo 10,17), deseja passar deste mundo para Deus (Jo 13,1), deseja reencontrar o Pai (Jo 14,31), quer ser glorificado com a glória que tinha junto do Pai (Jo 17,5). Os evangelhos mostram-nos que o Pai entrega o Filho ao mundo, referindo a morte de cruz como a hora do cumprimento, a hora do juízo do mundo, a hora da manifestação da ira de Deus, a hora de exaltação, a hora de glorificação.
Os
dados bíblicos fazem-nos concluir que o evento da cruz é uma manifestação do
amor trinitário[2]:
manifestação da paternidade de Deus que entrega o seu Filho ao mundo; manifestação
da plena conformidade do Filho à vontade do Pai, na força do Espírito. A cruz é
a manifestação da entrega do Pai que não poupou o seu próprio Filho (Rm 8,32)
mas que o entregou para a salvação do mundo (Rm 8,32).
O
amor donante do Pai manifesta-se, ou atua-se, no interior do próprio Filho. O amor
do Pai versado no coração do próprio Filho é expresso por Jesus na cruz; o amor
versado no coração de Jesus torna-se, na cruz, a resposta do Filho[3]. Por outras palavras, o
amor manifesto na cruz não manifesta somente a oferta espontânea e isolada de
Jesus; pelo contrário, o amor que Jesus recebe do Pai manifesta-se na obediência
até à morte e morte de cruz (Fil 2,8).
Essa
é a razão que leva Durrwell a dizer que «no calvário havia apenas um único
testemunho, um só, Deus, o Pai do qual o Filho é inseparável»[4]. Com efeito, o corpo de
Jesus converte-se no espaço de revelação do Pai, de “referência original” ao
Pai[5]. Desde o início, e sobretudo
no momento da cruz, Jesus condivide a mesma vida com Deus no seu corpo e
condivide o mesmo pathos pelos homens no seu corpo, de tal modo que o corpo
crucificado é testemunho de um só Deus.
A Carta
aos Hebreus afirma também que «Jesus Cristo se ofereceu ao Pai num Espírito eterno»
(Heb 9,14). Temos visto ao longo destas páginas que a coincidência substancial
entre Pai e Filho é absorvida pelo Espírito Santo que se volta a doar. Também
na hora da cruz, o Pai ama e gera o Filho, e dá-lhe o Espírito Santo, que o
Filho, na força do Espírito, se ofereça ao Pai.
O
Espírito Santo é sempre uma dádiva do Pai ao Filho; e será a dádiva do Pai e do
Filho ao mundo: «a cruz do Filho é a revelação do amor do Pai e a explosão
cruenta deste amor na cruz encontra a sua finalidade interior na efusão do
Espírito comum aos corações dos homens»[6]. O amor hipostizado do
Espírito será libertado no último suspiro da morte[7]. S. João percebe esta
fusão do Espírito nas palavras «e inclinando entregou o espírito» (Jo 19,30) e
no facto de ter jorrado sangue água do lado de Jesus (Jo 19,34).
Por
isso, a cruz é um evento de glória porque «a infinita recetividade filial de
Jesus é a sua glorificação em profundidade»[8]. Por outras palavras, na
hora da cruz, a ação geradora do Pai é acolhida pelo Filho na força cooperante
do Espírito. A cruz torna-se um evento de glória por ser um evento trinitário.
A
entrega de Jesus torna-se para nós redenção (1 Cor 1,30), santificação (Jo
16,27), perdão dos pecados (Col 1,14) e atração (Jo 12,32). A morte de Jesus é
de facto uma “consagração” da paternidade de Deus em relação ao mundo[9] e uma “consagração” do
Filho para o mundo.
Concluamos.
Na
cruz, atraído pelo Pai, Jesus morre voltado para o Pai, na força do Espírito.
De facto à geração paterna corresponde a resposta obediente de Jesus, em
deixar-se gerar desde a encarnação à passagem para Deus. Por outras palavras,
«na cruz, o radical amor ex-statico eterno concretiza-se historicamente na
entrega do Filho por parte do Pai (Jo 7, 3.16) e naquela entrega do Filho ao
Pai»[10].
Neste
sentido, o evento da cruz enquanto possa ser um evento de geração filial, é um
evento no qual Jesus morre defronte para o Pai no qual nasceu[11]: «Deus chamou a si Jesus;
por graça suprema, tornou-o totalmente Filho, concedendo-lhe morrer voltado
para Ele. Na sua passagem deste mundo para o Pai Jesus é o ‘o Verbo voltado
para Deus’ (Jo 1,1) e o ‘Filho que está diante do Pai’»[12].
4.2
“Ofereceu-se a si mesmo, movido pelo Espírito eterno»
Vimos
no capítulo anterior que o acontecimento de cruz pode ser lido como um
acontecimento de geração filial. Nesta perspetiva, o Filho deixa-se gerar pelo
Pai, oferecendo a sua resposta obediente, em todas as vicissitudes da sua
história, até à morte e morte de cruz. Por ser um acontecimento de geração
filial, a cruz é um acontecimento da revelação e da doação das três pessoas
divinas. O Pai gera o Filho na presença do Espírito, e o Pai e o Filho espiram
o Espírito no mundo.
Gostaríamos
ainda de aprofundar a afirmação da Carta aos Hebreus que afirma explicitamente
que «Cristo, movido por um Espírito eterno, ofereceu-se a si mesmo» (Heb 9,14)
para compreendermos, por um lado, que a cruz é o consumação da encarnação – da
resposta filial de Jesus na força do Espírito - e para compreendermos, por
outro lado, como a cruz é um movimento de espiração do Espírito.
«Cristo,
movido por um Espírito eterno, ofereceu-se a si mesmo» (Heb 9,14). A frase
condensa a ação do Espírito na oferta de Cristo ao Pai, mas suscita algumas
dificuldades:
«a
expressão suscitou muitas discussões que vão no sentido de descrever ‘uma
disposição de ânimo de Jesus’, ou no sentido de qualificar ‘Jesus como Espírito
eterno’, referindo a sua condição divina. Há quem interprete o espírito eterno
como ‘espírito de Jesus separado do seu corpo depois da morte’. Mas talvez
tenha razão a exegese dos padres gregos, que identifica o ‘espírito eterno’ com
o Espírito Santo que intervém na oblação de Cristo»[1].
A.
Vanhoye descarta as primeiras possibilidades e analisa a última: um espírito
eterno é o Espírito Santo[2]. Em linha com a tradição
evangélica que refere a presença do Espírito Santo na vida de Jesus e em linha
com a tradição paulina que refere que Jesus foi constituído Filho segundo o
Espírito de santidade (Rm 1,4), como veremos à frente, «a frase de Heb 9,14)
completa a perspetiva, precisando que foi igualmente ‘na potência do Espírito’
que Jesus afrontou a paixão»[3].
A
linha argomentativa da coerência do mistério de Cristo no Novo testamento é
acompanhada por um outro argumento: no Antigo Testamento o fogo do altar fazia
subir até Deus os sacrifícios oferecidos; não era um fogo normal, mas um fogo
vindo de Deus, e que levava a Deus as oferendas. Para o autor da Carta aos
Hebreus, o sacrifício de Cristo não foi realizado pelo fogo contínuo que ardia
no altar do templo, mas pelo fogo do Espírito “eterno”.
Curiosamente,
para A. Vanhoye, a palavra ‘eterno’ em vez de ‘santo’ sugere explicitamente o
fogo ‘eterno’, ‘permanente’ que ardia no templo de Jerusalém[4]. Neste sentido, o
‘espírito eterno’ significa o fogo divino que vindo do céu devia consumar a
oferta de Cristo: um fogo divino que dá valor eterno à oferta de Cristo[5].
Tomás
de Aquino, na Sper Epistulam ad Hebreos Lectura (cap 9,3), afirma que «a causa
pela qual Cristo efundiu o seu sangue foi o Espírito Santo, por cujo movimento
e intenção, isto é o amor de Deus e o do próximo, Cristo fez isto»[6].
O
Espírito eterno, qual força que sustém o ofício sacerdotal de Cristo[7], é portanto o princípio
pessoal e ativo que inspira e colabora no ato de Jesus: «é o princípio interior
divino santificante da humanidade assumida, que opera na liberdade humana de
Jesus, a conformidade da própria identidade filial ao querer do Pai»[8].
Se a
perspectiva pneumatológica da Carta aos Hebreus acentua o princípio ativo que
inspira a adesão de Jesus à vontade do Pai, a perspetiva pneumatológica do
quarto evangelho acentua a doação da unção espiritual à humanidade.
Há
três momentos no Evangelho de S. João da presença do Espírito na hora da cruz:
o primeiro refere-se ao dito de Jesus «tudo está consumado» (Jo 19,30). O termo
refere a preparação de Jesus para a sua ‘hora’. A ‘hora’ é o momento de total
oferta da vida ao Pai em cujo cumprimento participa o Espírito, qual princípio
perfectivo de toda a consumação.
Na
verdade, «provindo do Pai, o Espírito endereça para o Pai o sacrifício do
Filho, introduzindo-o na divina realidade da comunhão trinitária (…). Na
potência do Espírito, Jesus torna-se, através da sua liberdade de homem, aquilo
que é desde sempre e desde o início da sua existência histórica: o Filho de
Deus no mundo»[9].
O
segundo momento refere-se à entrega do Espírito: «e entregando a cabeça
entregou o Espírito» (Jo 19,30) e o terceiro momento, como vimos atrás, é a
imagem do lado aberto «do qual sai sangue e água» (Jo 19,34).
Estas
perspetivas da carta aos Hebreus e do Evangelho de S. João mostram-nos que na
cruz o Espírito Santo é um princípio de amor que inspira Jesus e um princípio
ativo da oferta de Jesus; podemos ainda dizer que «na cruz constitui-se uma
profunda e única comunhão na espiração do amor que é o Espírito»[10].
Por
outras palavras, na cruz o Pai gera o Filho na cooperação do Espírito e o Filho
é gerado com a força do Espírito; na cruz, a doação do Pai e a obediência do
Filho tornam-se princípios da espiração do Espírito Santo: «o Espírito brota da
cruz como êxtase pessoal da recíproca comunhão do Pai e do Filho»[11].
Da
relação essencial de Deus com Jesus procede o amor comum, hipostizado,
personalizado, no Espírito do Pai e do Filho, que é espirado e doado à
humanidade. A espiração do Espírito Santo mostra-nos que, na libertação do
Espírito[12],
na entrega do Espírito, cumprir-se-á a obra de reconciliação.
Concluamos.
No
processo de existência histórica de Jesus, o Espírito adquire «uma
irrenunciável qualificação cristológica que se espalhará dos inícios da vida
cristã até ao último ato escatológico»[13]. Este alargamento
universal do Espírito realizar-se-á com a ressurreição do Senhor e a sua
constituição como Senhor do Universo.
5. A
ressurreição como ação escatológica de Deus
5.1
«O Espírito ressuscitou a Jesus dos mortos»
Neste
ponto vamos refletir, tanto quanto possa ser possível, como o ato de
ressuscitar Jesus dentre os mortos é um ato de geração filial e como o ato de o
constituir como Senhor na força do Espírito é um ato de espiração do Espírito
Santo.
O
Novo Testamento anuncia que Deus não abandonou Jesus às angústias da morte (At
2,24), nem o deixou no inferno sujeito à corrução (At 2,31); o Nt anuncia que
Deus o ressuscitou dos mortos.
O
Pai é o primeiro autor da ressurreição: «Deus O ressuscitou dos mortos»
(At2,24; 2,32; 10,40; 13,30; Rm 8,11; 10,9; 1 Pe 1,21, etc); e «exaltou-O e lhe
deu o nome que está acima de qualquer nome» (Fil 2,9). A ação do Pai é da ordem
da geração filial[1].
Durrwell,
inspirando-se em Col 2,8, concebe a ressurreição como um ato de geração do Pai
que chama a si o Filho. Deus, na sua paternidade, «tem sempre espaço para
receber Jesus como seu Filho único»[2], fazendo habitar a
humanidade de Jesus no seu poder e na sua glória.
A
ressurreição não é o prémio pela vitória de Cristo, nem a confirmação do seu
progresso filial, mas é a posse da forma
Dei; trata-se do acolhimento, da glorificação e da exaltação do Filho no
seio do Pai, conforme o dito «Tu és meu Filho, hoje te gerei» (At 13,33).
A
iniciativa paterna transforma a existência de Jesus da “condição de Filho
segundo a carne” à “condição de Filho em poder segundo o Espírito de
santificação” (Rm 1,3-4; 8,11).
O
Pai «está na origem da ação ressuscitadora e o Espírito é o agente[3]». O Espírito Santo é
princípio pelo qual Deus ressuscita a Jesus.
Os
autores do NT mostram-nos que o Espírito é o princípio de pneumatização[4], o princípio de
transfiguração de Jesus[5] e o princípio de
glorificação[6]
de Jesus.
Paulo
é explícito relativamente ao princípio pneumatológico da ressurreição: «O pneuma (espírito) ressuscitou Jesus dos
mortos» (Rm 8,11; 14,1; 1 Cor 15, 45), «Jesus foi ressuscitado pela dynamis (força) de Deus» (1 Cor 6,14; 2
Cor 13,4; Ef 1,18), ou «Jesus foi ressuscitado pela doxa (glória) de Deus» (Rm 6,4; 2 Tess 1,9; Col 1,11; Ef 3, 16).
Com
efeito, o Espírito Santo, sendo o Espírito do Pai, o seu poder, a sua energia e
a sua glória, espiritualizou o corpo de Jesus – deu-lhe forma espiritual, recriando-o
nas propriedades divinas e na glória de Deus.
A
este propósito se diz que «o Espírito não é somente o instrumento da
ressurreição, mas o medium (ambiente)
na qual essa se realiza (…), um medium
onde Cristo não entre como um estrangeiro, mas naquilo que lhe é próprio como
origem[7]». Cristo é o neonato do
Espírito[8].
A
vida de Jesus foi um processo de espiritualização, ou seja, de ação do Espírito
Santo em Jesus de Nazaré em ordem ao seu retorno paro o Pai; é na ressurreição
de Cristo que «se cumpre a extrema espiritualização, na qual os atributos do
Espírito – a santidade, o poder, a vida infinita, o dom de si – tornam-se as
propriedades de Cristo»[9].
Durrwell
conclui esta ideia afirmando que o Espírito mete o corpo de Jesus na «realidade
de Deus»[10]:
«até onde foi exaltado? Em Deus, certamente[11]».
Jesus
foi ressuscitado pelo Espírito para a zoé
(vida): «Ele voltou à vida» (Rm 14,9; 1 Pe 3,18); «Ele vive» (Rm 6,10; 2 Cor
4,10); e «vive para sempre» (Heb 7,24; 16,13); «Ele não morre mais» (Rm 6,9; At
13,34).
A
ação do Espírito é uma ação divinizante[12] que consiste na obra de egerein (levantar, despertar, chamar do
mundo dos mortos) Cristo à vida divina
ou à vida espiritual, tornando-o Espírito: «o Senhor é Espirito» (2 Cor
2,17), é o «Espírito vivificante» (1 Cor 15,45). Este Espírito ou Espírito
vivificante é, na argumentação paolina, o corpo do Senhor, a sua humanidade
ressuscitada[13].
Concluamos.
A ação divinizante do Espírito Santo consiste em “recriar” Jesus Cristo em
Deus, reconstituindo o seu corpo mortal em corpo celeste, glorioso e espiritual (1 Cor 15,40-45; Fil 3,21).
Com estas expressões, corpo celeste, glorioso e espiritual, S. Paulo não indica
que o corpo é formado de uma matéria espiritual; S. Paulo pretende mostrar em
que dimensão se encontra o corpo de Cristo: a dimensão de Deus[14].
Para
Paulo, o corpo do ressuscitado é a totalidade do homem inserido na dimensão de
Deus: «céu é o corpo pneumático de Cristo ressuscitado»[15]. Cristo deixou a
opacidade da carne[16], do espaço e do tempo, e
chegou à plenitude da carne - à última forma da sua realidade – e à plenitude
do tempo.
O
corpo do Senhor é um corpo que vive o “tempo” pleno como “tempo relacional” com
o Pai.
5.2
«Deus ressuscitou Jesus dos mortos». A ação escatológica.
A
ressurreição de Cristo é uma ação escatológica de Deus respeitante ao mundo.
No
que respeita ao mundo Deus age de quatro formas: a ação criadora direta; a
acção criadora permanente; a acão que realiza por meio dos agentes humanos; a
promessa de ressuscitar os mortos[17].
Restava
ainda como sinal decisivo uma intervenção divina que derrotasse definitivamente
as potências da dor e da morte; era necessário uma intervenção real de uma
decisiva reviravolta[18].
A
ação ressuscitadora do Pai é a máxima e decisiva manifestação de Deus ao homem.
A ressurreição de Jesus «apresenta a ação de Deus mediante a qual Deus se
confirma e se define definitivamente na relação com o mundo (…). E mediante a
revelação do ressuscitado (…) Ele manifesta a sua irrevogável autodeterminação
na solicitude pelo mundo»[19].
A
ressurreição de Jesus é a plena manifestação de si mesmo[20] na relação com o mundo e
a autorrevelação dos últimos tempos[21]. Esta revelação
escatológica era esperada como revelação final, definitiva e absolutamente
criativa: «Jesus ressuscitou daquela ressurreição escatológica que era esperada
por Israel para o fim dos tempos»[22].
A
ação ressuscitadora do Pai, enquanto acolhimento de Jesus na realidade de Deus,
cria uma “nova” situação no interior da Trindade na relação com o mundo. O
Filho que entrou na história humana, tendo entrado como Filho na glória do Pai,
na imediatez do Pai, permite que a história humana entre em Deus.
Podemos
dizer que Ele adquire um novo relacionamento com a humanidade, durante a sua
existência histórica, e transporta esse novo relacionamento para o seio
trinitário. Com efeito, «o Filho aprende qualquer coisa de novo acerca da
filiação na carne, como o Pai aprende qualquer coisa de novo gerando Jesus na
carne; a sua paternidade como que se reconfigura no acolhimento de Jesus
crucificado e no dar com Ele o Epírito Santo[23]».
Na
realidade, a humanidade corpórea, humanidade assumida, mostrada, exibida,
ek-posta, des-figurada, trans-figurada, de Jesus, está em Deus eternamente. O
corpo do Senhor não é um corpo a-histórico ou a-temporal; não existe um
“docetismo escatológico” nem uma “corporeidade etérea”[24].
Aquele
que está em Deus e que será constituído como Cristo em poder «sabe que coisa é
o sofrimento - a miséria, a humilhação, a vergonha, o abandono, a necessidade e
a morte - porque com um amor inextinguível o saboreou, tolerou e suportou»[25].
Isto
não significa que haja uma mudança no seio trinitário, até porque a Trindade
manteve-se inalterada durante a existência histórica de Jesus. Deus permanece
sempre Deus mesmo quando se permite passar pela morte, sepultamento e
ressurreição. E Deus permanece o mesmo quando acolhe a humanidade ressuscitada
de Jesus.
No
entanto, a ressurreição de Cristo cria uma nova situação na relação com os
homens, como que instituindo um novo tipo de presença junto dos homens: «só
através da ressurreição e da nova ‘apresentação’ de Jesus era possível que Deus
também ‘ressurgisse” efetivamente e também permanentemente (…) como presença,
que era possível somente através da humanidade única de Jesus»[26].
Na
realidade, a salvação da humanidade de Jesus é de importância fundamental na
relação de Deus com o mundo e com todos os homens; a ressurreição «abre uma
nova janela pericorética (relacional)» em Deus[27], uma nova forma de
relação em Deus com os homens.
Concluamos. A ressurreição
de Jesus não representa apenas uma prova da identidade divina de Jesus nem
apenas serve para confirmar a sua missão messiânica. A ressurreição de Cristo é
um ato definitivo e como tal é a meta de todo o cosmos. Ele, Cristo, é o
eschaton que envolve todas as coisas, a meta para onde caminham todas as
coisas, o único centro onde a realidade tem raízes, no dizer de Durrwell.
A ressurreição de Cristo é
uma promessa respeitante ao homem e ao mundo, porque promete ao homem a
plenitude do tempo, a plenitude corporal, a plenitude do cosmos. A ressurreição
de Cristo inaugura o tempo da Páscoa para a natureza humana: inaugura uma nova
medida de tempo e uma nova forma de vivê-lo plenamente. O tempo não será vivido
como tempo cíclico ou como tempo de progresso, nem como tempo para a morte ou
para o fim.
Cristo inventou um novo
tempo que é tempo da Páscoa[28], o tempo pleno, total,
simultâneo, instantâneo. A ressurreição
de Cristo manifesta a convergência para o eschaton do desígnio de Deus Pai – a
criação do cosmos, a criação do homem, a eleição do Povo de Deus, a encarnação
do Verbo, o mistério pascal, a Igreja. Na ressurreição de Cristo, o Pai
manifesta o ponto universal de convergência, a plenitude para a qual são
atraídas todas coisas.
«Nos círculos que se
desenham em volta deste ponto final de convergência do cosmos, a Igreja
representa o círculo mais próximo (…). E todavia esse círculo deve
concentrar-se todo, deve convergir ainda mais para o centro, com um movimento
em frente de interiorização, mediante o qual o fiel deixa-se a si mesmo e se
encontra inteiro em Cristo»[29]
Neste sentido, a
ressurreição de cristo é o horizonte interpretativo de todo o desígnio do Pai e
revela a sua vontade salvífica universal. Assim, a ressurreição é o horizonte
interpretativo do cosmos (da cosmologia), é o horizonte interpretativo do homem
(da antropologia), é o horizonte interpretativo da vida cristã (da
soteriologia). De facto, a salvação permite olhar para trás e ver como toda a
criação foi feita por meio de Cristo e toda a história se orienta em vista de
Cristo.
Mario
Bracci, retomando a expressão de K. Barth mostra que com a ressurreição e «a
ascensão chegou o momento de reconhecer a humanidade de Deus (…), no sentido de
que a divindade de Deus, entendamos, inclui a sua humanidade»[30].
Assim,
podemos dizer que com a ressurreição e a ascensão é o ingresso do homem em Deus
e é o início de uma nova ação de Deus no que respeita aos homens de todos os
tempos, do passado, do presente e do futuro. «Deus decidiu sobre si,
autodeterminou-se a não ser Deus sem o homem-Deus»[31]; «Deus quer ser o nosso
Deus só mediante Jesus e com Jesus»[32]. Deus torna-se assim
capax homini[33]
e capaz de ressuscitar/plenitudinizar o tempo dos homens[34].
5.3. “Semeia-se corpo
terreno e nasce corpo espiritual”. A promessa.
Sendo um ato definitivo,
escatológico, a ressurreição é a manifestação de Cristo como primícias (1 Cor
5,23; Col 1,18; At 3,15; 26,23), como primícias dos mortos (1 Cor 15,20) e
primogénito dos mortos (Ef 1,21; Ap 1,5); é o anúncio e a promessa que o homem
ressurgirá à sua semelhança (1 Cor 15,48; Fil 3,20; Rm 8,29), como corpo
pneumático semelhante ao dele.
Vimos anteriormente que na
ressurreição de Jesus Deus coloca a nossa humanidade sentada à sua direita com
o poder de chegar a todos os homens. Vimos por isso que Deus “humaniza-se” em
si mesmo, autoterminando-se em ser um Deus connosco e para nós, eternamente,
definitivamente. Deus quer ser um Deus com os homens.
Os grandes pilares do
Cristianismo[35]
são as duas grandes afirmações evangélicas: “O Verbo fez-se carne” (Jo 1,1) e
“Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos” (At 1,). Estas duas afirmações têm a
ver com o corpo, uma vez que Deus se faz corpo e que Deus coloca dentro de si a
nossa corporeidade. Ao colocar dentro de si a nossa corporeidade, a tenda
perfeita, que é o corpo ressuscitado, coloca dentro de si todos os homens e
mulheres de todos os tempos de uma forma definitiva.
O corpo é por essa razão
muito importante para o Cristianismo e nós estamos habituados a ver Deus como
um ser supremo, um espírito absoluto, totalmente espiritual e abstraído do
mundo, como estamos habituados a ver um ser humano sem perspetivarmos a sua
transfiguração. A ressurreição de Jesus é como vamos ver uma promessa para o corpo
do homem: semeia-se terreno e colhe-se espiritual, como diz Paulo (1 Cor ).
A imagem da semente que, se
não morre não pode dar fruto, é uma imagem usada pelo próprio Jesus, e que
Paulo utiliza para mostrar a continuidade. A imagem do corpo “caduco”, “pobre”,
“débil”, “terreno”, que se torna corpo “celeste”, “incorruptível”, sublinha
também essa continuidade histórica entre o morto e o vivo.
Na conceção bíblica não se
espera a libertação do corpo; o homem bíblico espera a cura e a salvação do
corpo, porque o corpo não é para a destruição, mas para a ressurreição. A morte
é inimiga do homem porque significa isolamento, solidão radical, distanciamento
da vida (e Deus é a vida do homem!), que contradizem a própria corporeidade
como tecido, textura, de muitos con-tactos.
A antropologia bíblica é uma
antropologia unitária que utiliza conceitos como “carne”, “corpo” e “espírito”,
e que, com estes conceitos não quer dividir partes, porque não é possível
dividi-las, mas apenas distinguir as dimensões do homem, aspetos da vida do
homem, ou potências/faculdades ativas do homem.
Assim, basar (traduz-se
sárx, carne) indica a carne do homem e também a sua debilidade, fragilidade e
caducidade; nefesh (traduz-se por psyché) indica o respiro vital do homem, a
vida dada por Deus; soma (traduz-se por corpo) indica não a parte física-carnal
mas personalidade, a totalidade do vivido pela pessoa.
O NT faz distinção entre
corpo e alma mas isso não significa uma oposição antropológica; é uma distinção
que vem na linha do homem exterior e do homem interior (2 Cor 4,16). No NT a
ressurreição do corpo é a ressurreição de toda a pessoa (Rm 8,11; 1 Cor 6,14).
Paulo por exemplo quando fala da ressurreição dos mortos pressupõe sempre a
identidade do homem defunto como a mesma identidade do homem ressuscitado.
A
Carta aos Hebreus reflete esta nova condição do corpo do Ressuscitado, na
relação com Deus e com todos os homens, dizendo que a ressurreição é construção
de «uma tenda maior e mais perfeita, não construída pelas mãos dos homens, pela
qual Cristo entrou no santuário celeste» (Heb 9,11-12).
Significa
que o próprio Cristo é a tenda que penetra no santuário: «a humanidade de
Cristo glorificada tornou-se a ‘via nova e vivente’, a ‘tenda perfeita’, que
‘introduz’ no ‘santuário’, isto é que permite chegar a Deus»[36].
A
ressurreição corpórea significa que o Senhor se encontra definitivamente junto
de Deus, mas «significa que o ressuscitado mantém a sua referência ao mundo e a
nós»[37]. Neste sentido é o
corpo-para-nós (1 Cor 2,24).
A
ressurreição de Jesus dentre os mortos é o cumprimento da vida salvífica de
Jesus e é a confirmação do carácter definitivo, escatológico e soteriológico da
sua pessoa para os homens. De facto, a ressurreição de Jesus dá um horizonte
interpretativo ao mistério de Deus revelado em Jesus Cristo, e confirma a
pré-existência do Filho e a sua procedência eterna do Pai: “ninguém poderia
subir ao Pai se não viesse do alto e ninguém poderia subir ao céu se não
descesse do céu” (Jo 3,13).
Mas
a ressurreição de Jesus, por quanto seja a expansão universal e ecuménica[38] da sua vida por todos os
homens, de todos os tempos e de todos os lugares, confirma a vida de Jesus como
pró-existência-para-os-homens. A ressurreição é o ato criador que «recria
definitivamente a obra reconciliadora e redentora de Jesus (…); e permite
reconhecer que só a ação de Jesus é permanentemente válida»[39].
A
carta aos Hebreus, acerca da relação universal de Cristo com todos os homens,
afirma que Cristo é o novo sumo sacerdote, que se oferece como vítima perpétua,
para interceder por todos os homens (Heb). De facto, Cristo tornado perfeito,
tornou-se o sumo sacerdote eterno, que se oferece eternamente para interceder
por nós.
Isto
significa que assim como a ressurreição é um ato de geração filial, e de
manifestação da vontade de Deus em relação a Cristo, assim também a resposta
obediente e amorosa mantém-se eternamente, em nosso favor. Podemos assim dizer
que a ressurreição inaugura uma nova fase no sacerdócio de Cristo, como que
eterniza o seu amor sacrificial[40], ou como que se eterniza
o seu amor oferente[41]. Porque «a ressurreição
não afasta Jesus da cruz, mas torna-o presente na história, invadindo a esfera
imediata da personalidade de todos os homens de todos os tempos»[42]. Cristo torna-se o
Liturgo perfeito[43]!
Neste
sentido, Kessler afirma que «a ressurreição pode ser tranquilamente concebida
como aquilo que acontece na própria morte de Cristo»[44]. A expressão é arriscada,
mas não significa que a ressurreição conserve a morte de Cristo; a palavra
indica que o Ressuscitado, exaltado e glorificado, continua a obra
reconciliadora, com o mesmo amor com que amou durante o seu ministério terreno.
Isto
significa que o sentido da vida e morte terrena de Jesus não é “retirado” com a
sua ressurreição, mas é “instituído”: o Senhor instituiu o memorial das suas
maravilhas (Cor). Assim, «não vem afirmada uma cristologia “gloriosa” ao lado e
como superação de uma cristologia “crucificada”»[45].
6.
Cristo, doador do Espírito
6.1
«Torna-se Espírito vivificante»
Na
ressurreição, Cristo, constituído como Messias (At 2,36; 5,3), constituído
Filho de Deus em potência (Rm 1,4); At 13,30.33) e constituído como Senhor (At
2,36; Fil 2,11; Rm 10,9; 14,9) «torna-se o lugar e o meio de uma solidariedade
e de uma comunicação universal, de uma irradiação e de uma vizinhança
universal, de uma existência verdadeiramente para todos»[46].
Na
ressurreição, Jesus foi colocado à direita do Pai e recebeu o poder do Espírito
para poder efundi-lo sobre os homens (At 2,32). S. Paulo afirma que, retornando
à vida, o Ressuscitado «foi exaltado» (Fil 2.9; Ef 4,6); 1 Tim 3,16); 2 Pe 1,2;
Rm 1,3); «foi sentado à direita do Pai» (At 2,23; Ef 1,20; Heb 1,13; 8,1;
10,12); e «foi glorificado» (Fil 3,21; 2 Cor 4,4; 1 Pe 1,21).
A
ação do Espírito é uma ação divinizante no sentido de que o Espírito o
ressuscita dos mortos e o ‘constitui’ Cristo como o Ungido, o Messias: «Cristo
é profundamente marcado com o selo, com a unção do Espírito: é Filho de Deus no
Espírito[47].
«Seria por acaso o Senhor revestido de poder e de glória, sem o Espírito Santo»[48]
Com
efeito, Deus concede ao Ressuscitado o Espírito de Deus (1 Cor 2,11), ou o
“selo” de Deus – a unção da alegria, a unção da messianidade, a unção da
santidade -, para que o Ressuscitado, dispondo totalmente do Espírito de Deus,
o reenvie como o seu próprio Espírito à humanidade.
Neste
sentido, «a ressurreição é a reunião do Pai e do Filho (na sua natureza
humana), que se tornam único princípio de espiração»[49] ou o momento em que o Pai
e o Filho espiram seu espirito comum.[50]
De
facto, elevado à glória do Pai, Cristo recebeu do Pai o Espírito Santo, para
que, unido ao Ressuscitado, o Espírito tome a “forma” de Jesus, e a imprima em
toda a humanidade. O “Espírito de Deus” (1 Cor 2,11; 3,16; 6,11; 7,40; 12,3; 2
Cor 3,3; Fil 3,3; Rm 8,9.11.14) é dado a Cristo, unge-o, nele repousa, para que
possa ser dado como “Espírito de Cristo” (Gal 4,6; 2 Cor 3,17; Fil 1,19):
«exaltado, portanto, à direita do Pai, depois de ter recebido do Pai o Espírito
Santo prometido, efundiu-o como vós mesmos podeis ver e ouvir» (At 2,32).
Vimos
anteriormente que o Espírito de Deus pertence ao Pai e é dado ao Filho como
“unção” para a assunção da identidade filial e para o exercício do ministério
messiânico; também na ressurreição e na ascensão, o Ressuscitado é pessoalmente
ungido com o Espírito Santo (1 Cor 15,44) para se tornar doador do Espírito. O
Pai ‘unge’ a Cristo na ressurreição para que assim como Jesus de Nazaré operou
milagres na força do Espírito, assim Cristo opere sobre toda a humanidade na
força do Espírito.
É
curioso como Jesus Cristo e o Espírito Santo se identificam na obra da
salvação, uma vez que ambos dão tudo de si ao outro: Jesus Cristo deixa-se
permear pelo Espírito e o Espírito deixa-se decalcar pela forma de Cristo. Por
essa razão, São Paulo afirma que «o Senhor é Espírito» (2 Cor 3,17).
No
Espírito, Cristo assume uma nova existência pneumática e torna-se “Espírito
vivificante” (1 Cor 15,45); esta nova existência pneumática é o princípio
divino vivificante, capaz de dar o Espírito. De facto, na nova condição pneumática
como corpo celeste, potente e glorioso (Fil 3,21; 1 Cor 15,43; 1 Pe 4,14),
Cristo possui o Espírito (2 Tess 2,8; Gal 4,6; Rm 8,9; Fil 1,19) e integra, por
meio do Espírito, os crentes no seu Corpo espiritual.
Em
S. Paulo, o Espírito Santo doado por Cristo é chamado do “Espírito de Jesus
Cristo” (Fil 1,19), “Espírito do Filho” (Gal 4,4.6; Rm 8,15), “Espírito de
Cristo” (Rm 8,9), “Espírito do Senhor” (2 Cor 3,17;18), “Espírito da vida em
Cristo” (Rm 8,2)[51].
«Este
genitivo não é apenas um genitivo qualificativo nem um genitivo epexegético
(espírito de paz, espírito de solidariedade, …) mas é um “possessivo
instrumental” que diz conjuntamente: “o Espírito de Deus está em Cristo e opera
mediante Cristo” e o “Cristo vive e opera mediante o Espírito”»[52].
Assim,
o conceito de Espírito está “cristificado”[53]: o Espírito, qual imagem
do Filho[54],
adquiriu uma “conotação cristológica”[55] ou uma “irrenunciável
qualificação cristológica”[56]. Cristo ressuscitado
concede o seu dom para recebamos graça sobre graça (Jo 1,16; Ef 4,15; Col
1,18).
A
perspetiva de Cristo ressuscitado como doador do Espírito também está presente
nos Evangelhos.
Cristo
promete mandar “Aquele” que o Pai lhe prometeu (Lc 24,48; At 1,4-5), revestirá
os discípulos com a “força do Alto” (Lc 24,49), para serem testemunhas em
Jerusalém, na Galileia e até aos confins da terra (At 1,8).
A
perspetiva lucana dá um particular espaço à dimensão eclesiológica do envio do
Espírito de Cristo, referindo particularmente como o Pentecostes abre o tempo
da Igreja (At 2,17-21). Na obra lucana, o Espírito, «mais do que sob o aspeto
do princípio santificador e de lei interior, é visto sob o aspeto de “Espírito
profético”, “sustento” e “força de testemunho”»[57].
No
Evangelho de S. João, Jesus promete o Espírito sem medida (Jo 3,35), dado no
momento da exaltação (Jo 3,14) e da glorificação (Jo 7,39). Por meio do
Espírito, Jesus promete retornar novamente (Jo 14,18) e morar no crente (jo
14,17). Será a exaltação de Cristo que libertará o Espírito que está nele (Jo
14,17) e que começará a obra de testemunho no crente. No Evangelho de S. João,
o Espírito dado aos crentes dará glória e testemunho de Cristo (Jo 15,26;
16,14; 17,18); Cristo ressuscitado com o dom do Espírito abre aos crentes a
inteligência interior e gera a fé pascal (Jo 20,19-23).
Portanto,
como vimos, Cristo ressuscitado inicia a nova criação que será “vida no
Espírito” (Gal 5,16ss), “vida dos filhos” (Rm 8,15; Gal 4,6). Isto significa
que Cristo acolhe o Espírito recebido do Pai e dispõe dele para o entregar à humanidade.
Neste sentido, a ressurreição é «a reunião do Pai e do Filho (na natureza
humana) num único princípio de espiração»[58].
[1] R.
TREMBLAY, «François-Xavier Durrwell, teólogo della ressurreziione di Cristo»,
38.
[2] J.
GRANADOS, Teologia del tiempo, 264.
[3] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 75.
[4] V.
BALTHASAR, Lo Spirito di Verità, 159.
[5] F. G.
BRAMBILLA, Il Gesù dello Spirito e lo Spirito di Gesù 194.
[6] M.
BORDONI; La Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 251.
[7] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 188.
[8] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 113.
[9] F. X.
DURRWELL; Lo Spirito Santo alla luce del mistério pasquale, 57.
[10] F. X.
DURRWELL, Riserrezione, 98.
[11] F. X.
DURRWELL, Riserrezione, 95.
[12] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 81.
[13] L.
LADARIA, Jesús y el Espiritu: la uncion, 36.
[14] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 207.
[15] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 209.
[16] J.
GRANADOS, Teologia dellos mistérios della vita di Jesús, 196.
[17] H.
KESSLER, La Risurrezione di Gesù Cristo, 268-275.
[18] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 389.
[19] H.
KESSLER, La Risurrezione di Gesù Cristo, 281.
[20] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 184.
[21] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 196
[22] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 241.
[23] M.
BRACCI, Ascese al cielo, 56
[24] J.
GRANADOS, «The mystery of the ascension» in Communio 38 (2011) 1,15.
[25] H.
KESSLER, La risurreizion
e di Gesù cristo, 324.
[26] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 283.
[27] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 283.
[28] J.
GRANADOS, La teologia del tiempo, 70-73.
[29] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 200.
[30] M.
BRACCI, Nel seno trinitário, 289.
[31] M.
BRACCI, Nel seno della Trinità, 290.
[32] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 285.
[33] M-
BRACCI, Nel seno della trinità, 290.
[34] J. F.
GRANADOS, Teologia del Tiempo, 268
[35] Romano
GUARDINI, El Senor, 513.
[36] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 254.
[37] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 207.
[38] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 98.
[39] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 294.
[40] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 251.
[41] M.
BORDONI, Gesù di nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 242.
[42] M.
BORDONI, Gesù di nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 391.
[43] M.
BORDONI, Gesù di nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 242.
[44] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 292.
[45] F. G.
BRAMBILLA, Il Crocifisso Risorto, 263.
[46] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 312-313.
[48] F. X.
DURRWELL; Jesús hijo do Dio sen ele espiritu santo, 82.
[49] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 313.
[50] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 314.
[51] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, 72-77; 203-208.
[52] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 253.
[53] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, 72.
[54] V.
BALTHASAR, Lo Spirito di Verità, 132.
[55] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 252.
[56] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 253.
[57] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 258.
[58] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 187.
[1] F. G.
BRAMBILLA; Il Gesù dello Spirito e lo Spirito di Gesù, 190.
[2] A.
Vanhoye nota que falta o artigo; por isso não existe uma clara referência ao
Espírito Santo mas a um Espírito eterno. Nota ainda que Carta aos Romanos as
expressões “Espírito Santo”, “Espírito de Deus”, “Espírito de Cristo” nunca têm
artigo; a Carta aos Hebreus quando se refere ao Espirito santo também não usa
artigo (Cf. Albert Vanhoye, L’Epistola agli Ebrei, un sacerdote diverso,
Edizioni Dehniane, Bologna, 2010, 206)
[3] Albert
Vanhoye, L’Epistola agli Ebrei, un sacerdote diverso, Edizioni Dehniane,
Bologna, 2010, 207.
[4] Albert
Vanhoye, L’Epistola agli Ebrei, un sacerdote diverso, Edizioni Dehniane,
Bologna, 2010, 208
[5] F. G.
BRAMBILLA, il Gesù dello Spirito e lo Spirito do Gesù, 190-192.
[6] F. G.
BRAMBILLA, il Gesù dello Spirito e lo Spirito do Gesù, 193.
[7] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 247
[8] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 246-247
[9] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza 205.
[10] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 266-267
[11] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria e Attesa, 381.
[12] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 123.
[13] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 253.
[1] R.
TREMBLAY, «François-Xavier Durrwell, teólogo della ressurreziione di Cristo»,
38.
[2] J.
GRANADOS, Teologia del tiempo, 264.
[3] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 75.
[4] V.
BALTHASAR, Lo Spirito di Verità, 159.
[5] F. G.
BRAMBILLA, Il Gesù dello Spirito e lo Spirito di Gesù 194.
[6] M.
BORDONI; La Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 251.
[7] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 188.
[8] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 113.
[9] F. X.
DURRWELL; Lo Spirito Santo alla luce del mistério pasquale, 57.
[10] F. X.
DURRWELL, Riserrezione, 98.
[11] F. X.
DURRWELL, Riserrezione, 95.
[12] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 81.
[13] L.
LADARIA, Jesús y el Espiritu: la uncion, 36.
[14] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 207.
[15] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 209.
[16] J.
GRANADOS, Teologia dellos mistérios della vita di Jesús, 196.
[17] J.
GRANADOS, «The mystery of the ascension» in Communio 38 (2011) 1,15.
[19] F. X.
DURRWELL; Jesús hijo do Dio sen ele espiritu santo, 82.
[20] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 313.
[21] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 314.
[22] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 254.
[23] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 207.
[24] H.
KESSLER, La Risurrezione di Gesù Cristo, 268-275.
[25] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 389.
[26] H.
KESSLER, La Risurrezione di Gesù Cristo, 281.
[27] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 184.
[28] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 196
[29] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 241.
[30] M.
BRACCI, Ascese al cielo, 56
[31] H.
KESSLER, La risurreizion
e di Gesù cristo, 324.
[32] M.
BRACCI, Nel seno trinitário, 289.
[33] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 283.
[34] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 283.
[35] M.
BRACCI, Nel seno della Trinità, 290.
[36] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 285.
[37] M-
BRACCI, Nel seno della trinità, 290.
[38] J. F.
GRANADOS, Teologia del Tiempo, 268
[39] F. X.
DURRWELL, Risurrezione, 98.
[40] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 294.
[41] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 251.
[42] M.
BORDONI, Gesù di nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 242.
[43] M.
BORDONI, Gesù di nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 391.
[44] M.
BORDONI, Gesù di nazaret, Memoria, Presenza, Attesa, 242.
[45] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 292.
[46] F. G.
BRAMBILLA, Il Crocifisso Risorto, 263.
[1] Cf. V.
BALTHASAR, La teologia dei tre giorni, 84.
[2] V.
BALTHASAR, La teologia dei tre giorni, 126-130.
[3] F. X.
DURRWELL, La morte del Figlio: il mistero di Gesù de dell’uomo, 26.
[4] F. X.
DURRWELL, La morte del Figlio: il mistero di Gesù de dell’uomo, 18.
[5] J.
GRANADOS, Teologia de los mistérios de la vida de Jsùs. 91-94.
[6] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 130.
[7] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 116.
[8] F. X.
DURRWELL, La morte del Figlio: il mistero di Gesù de dell’uomo, 71.
[9] F. X.
DURRWELL, La morte del Figlio: il mistero di Gesù de dell’uomo, 47.
[10] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria, Attesa, 380.
[11] F. X.
DURRWELL, La morte del Figlio: il mistero di Gesù de dell’uomo, 30.
[12] F. X.
DURRWELL, La morte del Figlio: il mistero di Gesù de dell’uomo, 49.
[1] J.
GRANADOS, Teologia de los mistérios de la vida de Jesùs, Ensayo di cristologia
soteriológica, 51.
[2] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 95.
[3] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret,Memoria, Attesa, 425.
[4] G.
O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 90.
[5][5]
G. O’HANLON, The immutability of God in the theology of V. Balthasar, Cambridge
University Press, Cambridge 2007, 94.
[6][6]
KARL RAHNER, « Considerazioni dogmatiche sulla scienza e coscienza di Cristo»,
in Saggi di cristologia, Edizioni, Roma, 199-238.
[7] F. X. DURRWELL.
La morte del Figlio: il mistero di Gesù e dell’uomo. Editrice Domenicana,
Napoli 2007, 27.
[8] M.
BORDONI, «La esperienza di Gesù e la fede dogmática di Calcedónia» in Lateranum
65 (1999/3), 512.
[9] V.
BALTHASAR, Spiritus Creator, 99.
[10] V.
BALTHASAR, Spiritus Creator, 113.
[11] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria, Attesa, 435.
[12] H.
MÜHLEN, Una mystica persona, la Chiesa come il mistério dello Spirito Santo in
Cristo e nei cristiani: una persona in molte persone, Città Nuova, Roma 1968,
314.
[13] L.
Ladaria, Jesús y el Espíritu: la unción, 47
[14] M.
BORDONI; Christus Omnium Redemptor, Libreria Editrice Vaticana Città del
Vaticano 2010, 126.
[15] M.
BORDONI; Christus Omnium Redemptor, 127.
[16] P.
GAMBERINI; Questo Gesù, 80.
[17] G.
WARD, «The schizoid Christ», in J. MILBANK (Ed), The Radical Orthodoxy
[18] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 240.
[19] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, 198-202.
[20] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 238.
[21] Ladaria
não aceita o termo “unção” antes do momento do batismo.
[22] G. F.
BRAMBILLa, Il Gesù dello Spirito e lo Spirito di Gesù, 181.
[23] F. X.
DURRWELL, Lo Spirito Santo nel mistero pasquale, 45.
[24] G. F.
BRAMBILLa, Il Gesù dello Spirito e lo Spirito di Gesù, 186.
[25] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, 59.
[26] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria, Attesa, 143.
[27] P.
GAMBERINI; Questo Gesù, 82.
[28] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, 62.
[29] M.
BORDONI, Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 243.
[1] Andrea
MILANO, Quale verità: per una critica della ragione teológica, EDB, Bologna
1999, p. 274-275.
[2] M.
BORDONI, Cristologi nell’orizzonte dello Spirito, 213.
[3] M.
BORDONI, Cristologi nell’orizzonte dello Spirito, 214. Por exemplo, S.
Agostinho considera que o Espírito foi mandado do Pai para agir diretamente
sobre Maria no instante da encarnação. Agostinho atribui ao Verbo a assunção da
humanidade e a união das duas naturezas; quando fala de “graça” ou de “unção”
(De Trin 15,26.46) ou de “selo” (In Io. Ev. Tra. 25,11) na encarnação,
refere-se à divindade que santifica e unge a humanidade assumida. Mas na
perspectiva da obra comum da Trindade pressupomos o envolvimento de toda a
Trindade na missão do Filho encarnado. Assim, se a unção da humanidade pertence
principalmente ao Verbo, secundariamente pertence ao Espírito, por quanto é a
unção do Verbo (G. FERRARO, Lo Spirito e Cristo nel comento al quarto Vangelo e
nel tratato trinitário di Santo’Agostino, Libreria Editrice vaticanam Città del
vaticano 199, 12-13, 24-26).
[4] M.
BORDONI, Cristologi nell’orizzonte dello Spirito, 214.
[5] V.
BALTHSASAR; Lo Spirito della Verità, Teologica III, 146-149.
[6] «Deve-se
concluir que, se a graça de Deus se entende como a vontade de Deus (…), então a
união da encarnação é operada por meio da graça, como se realiza a união dos
santos a Deus por meio do conhecimento e do amor. (…) O Ser princípio activo
desta graça é comum a toda a Trindade» (TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologica III,
q. 2, a. 10.
[7] São
Tomás entende que a obra da encarnação é obra da Trindade toda: a vontade é da
Trindade, o sujeito da acção da união é o Verbo, a acção de transformação da
carne é do Espírito. Assim, «Se por graça de entende a própria vontade de Deus
que faz ou dá qualquer coisa gratuitamente, então a união é feita mediante a
graça não como meio mas como causa eficiente» (ST, III, q. 6, a. 2). S. Tomás
entende a “vontade” como causa eficiente e o “meio” como a natureza divina do
Verbo. E por último atribui ao Espírito o seu papel de causa eficiente
relativamente ao corpo assumido (St III, q. 2, a.11).
[8] M.
BORDONI, Cristologi nell’orizzonte dello Spirito, 215-216.
[9] “A
manifestação das pessoas por meio dos atributos essenciais é o que chamamos de
apropriação” (I,q.39,a.7).
[10] J.
FERNÁNDES, La cristologia pneumatológica
de Marcello Bordoni, Pontificia Universitas Sanctae Crucis, Roma 2001, 47.
[11] G.
WONG, «The Holy Spirit in the life of Jesus ando f Christians», in Gregorianum
73 (1992), 62-63.
[12] V.
BALTHSASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, 151.
[13] V.
BALTHSASAR, Les personnes dans le Christ, La dramatique divine II, p. 149.
[14] V.
BALTHSASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, 184.
[15] V.
BALTHSASAR, Lo Spirito della Verità, Teologica III, 156.
[16] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 352.
[17] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 354.
[18] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 353.
[19] M.
BORDONI, Cristologi nell’orizzonte dello Spirito, 223.
[20][20]
Ladaria na obra Jesús y el Espíritu: la unción por fidelidade às fontes da
tradição (p. 67) recusa com toda a clareza a inversão trinitária, a antecipação
ou a precedência do Espírito Santo na obra da encarnação. O autor mostra que a
acção do Espírito é uma acção exclusiva sobre Maria (64-65). Ambém Bordoni vê a
intervenção do Espírito como acto dispositivo e não como intervenção
antecedente à encarnação (Cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 238).
[21] J.
GRANADOS, Teologia de los mistérios de la vida de Jesùs, Ensayo di cristologia
soteriológica, 60.
[1] W.
KASPER, «Crisi e nuovo inizio della cristologia nel pensiero do Schelling», p.
71.
[2][2]
A palavra pessoa vem de prosopon, o papel ou a máscara no teatro, ou o papel do
advogado no tribunal. O conteúdo real da pessoa vem identificado por Basílio de
Cesareia com hypostasis e retomado por Agostinho de Hipona com persona.
[3] M.
BORDONI, Gesù di Nazaret, Presenza, Memoria, Attesa, Queriniana, Brescia 2010,
411.
[4] W.
KASPER, Gesù il Cristo, 344.
[5] T.
HALÍK, Quero que tu sejas, Paulinas, Lisboa 2015, p. 51
[6] E.
JÜNGEL, L’essere di Dio é nel divenire, p. 134.
[7] A.
MILANO, Quale verità, 305.
[8] A.
MILANO, Quale verità, 305.
[9] P.
GAMBERINI, Questo Gesù, 224.
[1] Cf. A,
MILANO, Quale verità, p. 298-300.
[2] H.
MÜHLEN, , La mutabiltà di Dio, p. 20.
[3] A.
MILANO, Qual verità, p. 261-262.
[4] W.
Kasper a este propósito afirma que «a confissão dogmática aquela que atesta que
Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, deve ser aceite como uma
interpretação válida e permanentemente vinculativa. Mas referindo-nos ao
testemunho que a Sagrada Escritura faz de Cristo, o dogma de Calcedónia
permanece uma redução. Esse procura precisar a constituição interna do sujeito
umano-divino» (W. KASPER, Gesù il Cristo, p. 331).
[5] A.
MILANO, Quale verità, p. 295.
[6] A.
MILANO, Quale verità, p. 296.
[7] Cf. P.
GAMBERINI, Questo Gesù, Pensare la singolarità di Gesù cristo, Edizioni
Dehoniane, Bologna 2005, p 275-76.
[8] Cf.
P.SGUAZZARDO, Incarnazione, Cittadella editrice, Assisi 2013, p. 5-25.
[9] W.
KASPER, Gesù il Cristo, p. 249.
[10] W.
KASPER, Gesù il Cristo, Queriniana, Brescia, 2013, p. 245.
[1] Mario
BRACCI, Nel seno della Trinità, p. 222.
[2] H.
MÜHLEN, La mutabiltà di Dio, Queriniana, Brescia, 1974, p. 50-51.
[3] F. X.
DURRWELL, Lo Spirito Santo alla luce del mistério pasquale, Edizioni Paoline,
Torino, 1985, p. 50.
[1] H.
KESSLER, La risurreizione di Gesù cristo, 312-313.
[2] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, 72-77; 203-208.
[3] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 253.
[4] F.
LAMBIASI, Lo Spirito Santo, Mistero e Presenza, 72.
[5] V.
BALTHASAR, Lo Spirito di Verità, 132.
[6] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 252.
[7] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 253.
[8] M.
BORDONI, La cristologia nell’orizzonte dello Spirito, 258.
[9] V.
BALTHASAR, Teologia dei tre giorni, 187.
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