quinta-feira, 26 de outubro de 2023

In the Name of God, the Most Merciful, the Most Compassionate


A ideia do texto é mostrar, em primeiro lugar, que já não há dois blocos, e, que, por isso, não pode haver um choque de civilizações; em segundo lugar, mostrar que não podemos tomar o subproduto da facção pelo todo étnico ou religioso; em terceiro, que está em início um movimento de diálogo e de familiaridade entre líderes que se pode estender por vários sectores da sociedade.

Em quarto, escutar alguns discursos do “lado de lá”.

Tive a oportunidade de rezar e de conversar com muçulmanos num grupo chamado Ensemble avec Marie. Foi a primeira vez que aconteceu e fez-me muito bem. 

Fez bem porque permitiu trazer luz ao medo do islamismo crescente, do islamismo político e do choque de civilizações. 

O Hamas, o Hezbollah, a Al-Qaeda, o Daesh, o Boko Haram, e os outros movimentos fundamentalistas, no Médio Oriente, na Península Arábica, no Centro de África e no Paquistão, causam-nos medo, e o recente massacre e brutalidade em Israel, terror. Temos medo, um medo colectivo, de que chegue à Europa, e à nossa terra. 

E é possível que já tenha chegado e que, de qualquer forma, ja nos tenha atingido a todos: ‘antes, a guerra era feita no campo de batalha, entre províncias; depois, passou a ser nacional; posteriormente, em dois grandes blocos (leste/oeste). Hoje, num paradigma global, a guerra é global, aparece inesperada e atinge-nos a todos’. 

Esta parte do discurso do Grande Iman de Al-Azhar, ao papa Francisco, no Bahrein, a 4 de novembro de 2022, mostra-nos que o paradigma da guerra já não é o confronto entre dois blocos oponentes, por exemplo, o mundo cristão versus o mundo islâmico, mas, num paradigma global a guerra global.

Na realidade, assistimos a essa guerra global, por todo o lado, com milícias dentro dos estados e constituições dentro doutras constituições, num movimento global, que é interno ao próprio mundo árabe, tanto como o Hamas, dentro da Autoridade Palestiniana, contra o seu próprio presidente Mahmud Abbas. É por já não haver dois blocos, que não se fala de choque de civilizações. Tudo é global, até a guerra.

E esse paradigma global da guerra chegou até nós. Não é só para evitar a escalada militar que Biden, Macron, e outros, se empenham atualmente em múltiplos esforços de contenção. É também por terem um problema nas suas casas, como vimos nas manifestações pro Palestina. O novo paradigma está perto de nós, pela geografia e pela estimativa de 50 mil fundamentalistas islâmicos residentes na Europa (1), e ainda pela história de atentados em Espanha, França, Bélgica, Alemanha, Londres. Temos razão para esse medo colectivo.

Se metermos no mesmo saco - coisa que não podemos fazer, e os exemplos servem apenas para ilustrar a preocupação colectiva -, a triplicação de mesquitas e de lugares de culto, de barcos do Mediterrâneo, e de refugiados de todo o lado, a preocupação cresce por as coisas serem muito diferentes de há 20, 40 ou 60 anos.

Se acrescentarmos - para ilustrar ainda a nossa preocupação, que 65% dos estudantes franceses muçulmanos afirmam que as leis da religião são mais importantes do que as leis da Républica (2), e que mais de 40% de adolescentes já se manifestaram no seu estabelecimento de ensino contra alguma forma de descriminação, mais o número de conversões de franceses ao Islamismo, cerca de 4 mil/ano (3), parece haver razões fundamentadas para a desconfiança.

O que se passa é que vivemos num mundo global, com asiáticos, árabes, africanos, sul americanos, europeus, e judeus, por todo o lado, e como nos conhecemos pouco, acabamos por tomar o sub produto ideológico de qualquer facção pelo todo da etnia ou da religião. 

Foi por esta razão que procurei saber quem são os responsáveis do “lado de lá “ e o que dizem os seus interlocutores. Notei, em primeiro lugar, que o terrorismo despontou um conjunto de conexões, congressos e cartas comuns, por todo o mundo árabe, assinadas pelos mais altos responsáveis, sobretudo do mundo sunita. 

São a Mensagem de Amman, de 2004, o Appel e Parole Commune, de 2007, o Centro de Doha, de 2008, o Apelo de Meca, de 2008, o Centro internacional do Rei Aballah, de 2012, os documentos comuns de al Azhar de 2011, 2012 e 2014, a Declaração de Marraquexe, de 2016 (4), a Carta da Fraternidade, de 2019, etc. 

Sobressaiem das cartas e das figuras deste movimento de diálogo inter-religioso, o Papa Francisco e Ahmed al-Tayyed (5), o Grande Iman de al-Azhar e Presidente do Grande Conselho dos Sábios, e a Carta da Fraternidade, assinada por ambos e que faz um caminho de diálogo que já passou pelo Egipto, Emirados e Bahrein.

O Papa e o Brande Iman são responsáveis de um novo passo no diálogo inter-religioso, que é a passagem da diplomacia entre as lideranças à familiaridade dos líderes religiosos. Hoje, a amizade entre os líderes religiosos é tida e desejada como o movimento prévio à familiaridade alargada entre as duas culturas. 

(Seguem-se algumas frases dos discursos do Grand Iman de al-Azhar).



1 https://lesalonbeige.fr/le-nombre-dislamistes-capables-de-passer-a-lacte-est-evalue-dans-lunion-europeenne-a-50-000/

2 Le Figaro, em 17-12-2021

3 Estima-se a conversão de 4 mil franceses ao islamismo e a conversão 400 muçulmanos ao Catolicismo, por ano ( a ‘apostasia’ não é crime em França, mas os convertidos podem ficar interditos de entrarem nos seus países, por exemplo, na Argélia)

4 Os sítios de internet: www.ammanmessage.com; www.acommonworld.com;

5 Ahmed Mohamed el-Tayeb é o imã da Mesquita de al-Azhar e Reitor da Universidade com o mesmo nome , do Cairo, Egito, desde 2010. Possui um doutoramento em filiosofia islâmica pela Universidade Paris-Sorbonne e expressou o seu apoio para uma liga sufista global. Al-Tayeb, que em seu cargo de Grande Ima de al-Azhar é amplamente considerado como a autoridade máxima no mundo muçulmano sunita.

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