sábado, 20 de janeiro de 2024

“Obrigado por ter fundado o Emanuel’, JPII, 1986

Pierre Goursat (1914-1991) é um nome que ninguém conhece. É o fundador da comunidade Emanuel. Os fundadores dos movimentos eclesiais do século XX são normalmente conhecidos. Kiko Arguello é o fundador do Caminho Neo catecumenal, Chiara Lubich do Movimento dos Focolares, Monsenhor Giussani da Comunhão e Libertação, Monsenhor Escrivá do Opus Dei, etc. A estes ‘pais’ dos grandes movimentos pós conciliares juntaram-se outros nomes que fundaram novas congregações ou novas comunidades de vida. 

Pierre Goursat foi um desses criadores e um dos primeiros tradutores do Renovamento Carismático em França, com a fundação da Comunidade do Emanuel. 

Pierre era um típico parisiense - urbano, bem relacionado, boémio, culto. Estudou na École do Louvre e seguia a Escola prática de altos estudos para poder ser Conservador no Museu de antiguidades nacionais em Saint-germain-en-Laye. Mas a vida tinha outros planos para ele. 

A morte do irmão mais novo, Bernard, de apenas dez anos, em 1926, foi arrasadora para Pierre; mais tarde, a tuberculose levá-lo-ia ao sanatório por cinco meses, e ao desespero de vida. 

No ano de 1933, um ‘acontecimento sobrenatural’ seria decisivo na sua vida: ‘isso foi de tal modo simples que não o posso contar. Tudo de um golpe, senti a presença do meu irmão com uma intensidade extraordinária. Foi como se me dissesse: ‘tu pensas demasiado em mim. Isso é porque estás preso pelo orgulho’. Foi como se ele estivesse presente. Eu dei por mim de joelhos aos pés da minha cama e, quando me levantei, estava completamente transformado. Eu não era mais o mesmo. Era como se tivesse recebido uma efusão do Espírito’(p. 20). Pierre tinha 19 anos. 

A sua mãe e a sua irmã que trabalhavam na hospedaria da família e na cozinha desse pequeno hotel achavam que Pierre se tinha tornado ‘muito cristão’. Na verdade, Pierre Goursat transformava-se num apóstolo leigo, sobretudo dos jovens. 

Em junho de 1944, um outro ‘acontecimento sobrenatural’ surpreenderia Pierre. Em plena Paris ocupada, e nervosa com o desembarque americanos, Pierre é sinalizado por soldados alemães e, num incidente de rua, foi por eles perseguido. Escondido, escutou interiormente ‘alguém que me dizia ‘não te inquietes. Tu estás salvo. Era muito claro. Eu não podia duvidar. Eu não podia duvidar que era Maria que falava e que ela me tinha salvo’ (p. 27). 

Nesse período 1933-44, Pierre cria um grupo de jovens para a leitura e partilha do Evangelho, entra na Legião de Maria, participa na adoração permanente de Montmartre, é dirigido pelo cardeal Suhard, arcebispo de Paris. Pierre sente que a sua vocação é ser ‘um adorador da Eucaristia no meio do mundo’.

Pessoalmente, Pierre ocupa-se da edição da Revue Internationale du cinema, monta uma livraria, a Société de diffusion du livre, e uma editora, o Centre du livre français. A edição da revista internacional de cinema, durante dez anos, dá-lhe notoriedade no meio cinematográfico. As suas críticas são consideradas e reproduzidas em todos os jornais e televisões franceses; torna-se responsável da Centrale catholique du cinema; organiza festivais, galas, encontros: ‘nesse momento eu seguia todas as galas, como Cannes ou Veneza. Estava um pouco por toda a Europa. I@ também ao Canadá … fui convidado pelos russos para ir a Moscovo’ (p. 34). Retirar-se-ia em 1970. 

Pierre Goursat encontra, por indicação do padre Caffarel, Martina Laffitte, médica cirurgiã, e responsável por um grupo de oração, em 1971. Ambos criam uma École d’oraison e, juntos, convidam e ajudam os jovens a descobrir a oração. 

Em 12 e 13 de fevereiro de 1972, o padre Caffarel convida-os para um week-end de oração, em Troussures, e convida também Xavier e Brigitte Le Pichon, respetivamente geofísico e pianista. O casal tinha feito a experiência de efusão do Espírito Santo nos Estados Unidos. O seu testemunho, a explicação do que fazia o Espírito Santo por meio do Renovamento, e o próprio exercício da oração, foram ‘um mundo novo que começava’ (p. 46). 

Esta experiência de oração continua num pequeno grupo de Martine e de Pierre, e torna Pierre Goursat num companheiro mais próximo, mais simples e mais fraterno. Ambos, Martine e Pierre, decidem em maio de 1972, propor ao grupo a experiência de efusão do Espírito. Dizia Pierre que ‘uma vez que as coisas se passam assim nos Estados Unidos, será que não podemos pedir ao Espírito Santo que isso se passe entre nós, em França’ (p. 49). 

E assim, foram-se juntando cada mais jovens, em cada semana, em casa de Martine; depois formaram-se dois grupos, o de S. Sulpício e o da Anunciação, um que funcionava no Centre catholique, e depois na cripta da Igreja de S. Sulpicio, e outro no ginásio da Escola nacional. Em Setembro de 1973, abriu-se o terceiro grupo de oração, na capela de S. Bernardo, em Montparnase, que transitou, depois, para Notre Dame des Champs. 

Eram grupos de oração ligados à forma do Renovamento Carismático, mas sem estarem realmente  unidos a ele. De modo que surgiu o nome do Emanuel com o objectivo muito específico da adoração, da compaixão e da evangelização.

Pierre Goursat tornou-se o responsável dos grupos. Falava pouco, sondava o coração de cada um e discernia os carismas. Pierre dizia que era o único que não tinha carisma especial: ‘o Senhor deu-me o carisma de diretor, de pastor. Eu era muito pobre. Não tinha carisma nenhum a não ser. O Senhor ajudou-me muito mas eu sentia que não tinha carisma nenhum. Então, o Senhor disse-me: discerne as pessoas que se ocuparão de tudo’ (p. 61). 

De facto, apareciam muitos carismas na nova comunidade - da pregação, da profecia, das línguas, da música. Pierre não se sentia particularmente agraciado; era mesmo um péssimo organizador e pregador. ‘C’est bien claire. Le Seigneur a pris la personne la plus pauvre possible pour manifestar sa action’ (p. 126). Franzino, sempre doente, muito magro, reservado, parecia de tal forma um pobre, que levou alguém a exaltar a comunidade por acolher o pobre que estava ali a um canto. ‘Ah? Mais c’est Pierre. C’est notre fondateur’ ( p. 127).

Na jornada de Pentecostes, de 1973, reunem-se em Paris cerca de quinhentas pessoas; em julho de 1974, em Vézelay, estavam seiscentas; no encontro internacional dos movimentos ligados ao Renovamento Carismático, no Pentecostes de 1975, em Roma, mil. Em Julho desse ano de 1975, o Emanuel volta a reunir-se, desta vez em Paray-le-Moniale, com 1200 pessoas.

Veio depois o encontro em Lurdes, em 1976, Lyon, em 1977. ‘Depois de Roma - a graça da Igreja, com Paray - a graça do Coração de Jesus, com Lurdes - a graça de Maria’ (p. 95). Pierre e Martine fariam uma visita por várias comunidades do Renovamento Carismático católico nós Estados Unidos, e a experiência de um retiro de preparação para a efusão do Espírito Santo, em 1976. 

A comunidade cresceu, dividiu-se em casas, ‘aquilo que os americanos chamavam de casas não residenciais: cada pessoa ou cada família habita nela, mas encontra os irmãos e as irmãs de casa num serão de encontro, de oração e de partilha, cada semana’ (p. 106). 

Esses irmãos começam a comprometer-se no serviço da Igreja por um ano, alguns casais dedicam-se por completo missão, outros consagram-se com votos privados, outros iniciam um processo de discernirão sacerdócio no convento da Anunciação em Paris e depôs no Seminário francês de Roma. 

Pierre diria a um dos padres acompanhador ‘ se tu lhes ensinares a manterem-se pequenos, a se deixarem maravilhar pelo Espírito Santo, com Maria, a viverem como irmãos e a saberem obedecer, não vai haver problemas com o resto’ (p. 170). A comunidade continua a reunir-se para o louvor e para a adoração, e começam a realizar-se fins de semana específicos de ensinamentos para a efusão do Espírito Santo, sobre a vida cristã, sobre a iniciação dos adultos, para os casais, para os jovens, para o mundo operário, para os profissionais de diferentes áreas, etc.

O último capítulo - chapitre IX, Esquisses pour un portrait - trata de alguns traços de personalidade do Servo de Deus Pierre Goursat. Pierre deixava-se conduzir pelo Espírito  Santo em total disponibilidade e escuta. Dizia ‘é suposto eu conduzir, mas estou atado a uma cadeira, um outro tem o volante, isto vai cada vez mais depressa, e eu sou obrigado a abaixar-me nas curvas’ (p. 234). 

Pierre tinha o sentido dos sinais dos tempos e uma grande perspicácia sobre a situação da Igreja; contra conservadorismos e máquinas administrativas, ‘ele acreditava que era preciso fazer girar as coisas, que era preciso avançar e fazer avançar o mundo… Mas era muito atento àquilo que o Espírito podia sugerir ou indicar através da Igreja’ (p. 244). 

Havia em Pierre Goursat uma humildade e uma pobreza desarmantes, porque não queria ser outra coisa que um canal da graça. ‘Isso ia tao longe que havia irmãos que não sabiam que ele era o fundador. Criticava-se o Emanuel por não ter fundador. Por ser uma comunidade sem ter fundador conhecido’ (p. 246). À sua humildade, Pierre Goursat juntava a pobreza - ‘ele vivia num despojamento inacreditável’. ‘Para ele, a palavra pobre tinha uma significação quotidiana muito precisa. Dela vem a sua facilidade em compreender os excluídos, os marginais’ (p. 248). 

Havia também humor e liberdade em Pierre Goursat. ‘O humor era igualmente factor de conversão na linha de são Filipe de Néry’ (p. 250). A sua liberdade interior em relação a tudo e a ele mesmo, não se levando muito a sério, era sinal da docilidade no Espírito. 

Havia pureza em Pierre, sinal da sua consagração pessoal. Zelo pelo casa de Deus. Amor ao coração de Jesus. Das muitas coisas que impressiona na transformação operada no Espírito é a sua infância espiritual - ‘Pierre riait de tout son coeur. Ele tornara-se interiormente - e mesmo exteriormente - mais enfant que nunca. Ele tinha entrado na união habitual com Deus - a união ‘definitiva’ - cujos sinais não enganam: uma grande sabedoria, um hábito de referir a Deus todas as coisas, um abandono à Divina Providencia, uma espécie de doçura divina, um espírito de compaixão fraternal, com a certeza e a paz’ (p. 257).

Em 1986, o papa João Paulo II, em visita à Paray-le-Monial, disse a Pierre Goursat ‘obrigado por ter fundado o Emmanuel’.

Pierre Goursat faleceu a 25 de março de 1991.


In Bernard Peyrous/Hervé-Marie Catta, Le feu et l’ esperance,  Editions du Emmanuel, 1995.

Sem comentários:

Enviar um comentário