«De Sião, porém, se dirá: "Um e outro, todos ali nasceram; e o próprio Altíssimo a estabeleceu". O Senhor apontará no registo dos povos: "Este nasceu ali". (Sl 87,5-6)
Em Paradoxo e Mistério da Igreja, de 1967, Henri de Lubac resume a Igreja na palavra mãe: 'l'Eglise, c'est ma mère' (p.14). A palavra mãe não quer dizer maternalismo mas sim geração do Cristo. Mãe é a 'Igreja viva' - ''l'Eglise vivante' - a Igreja toda, do céu e da terra, de todos os séculos e do presente, dos crentes e dos santos, da liturgia e da missão, que gera Cristo e gera Cristo em nós: 'elle enfante le Christ en nous' (p. 20).
Num outro texto, A Maternidade da Igreja, de 1971, De Lubac afirma que 'a maternidade da Igreja é tão real como a presença de Cristo' (p. 160) ou 'tão real como a paternidade Paulo'. Depois, mostra que a Igreja é mãe de todos os que nascem do Espírito, a partir de muitas citações dos Evangelhos - 'Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes te quis reunir' (Mt 23,37) -, de S. Paulo (Gl, 4,19; 1Cor 4,14; 1Tes 2,10), de S. João (2 Jo 1,4), do Apocalipse (Ap 12).
A maternidade da Igreja não se reduz a uma expressão afetuosa, a uma analogia natural, ou uma espiritualidade, da mesma forma que não se reduz a uma perspetiva educadora e disciplinadora da Igreja. Também não respeita à Igreja hierárquica ou paternal que nos leva à reverência e obediência (p. 168). De Lubac diz que a maternidade da Igreja é real, porque, fecundada pelo Espírito Santo, gera todos os dias novos filhos. De facto, basta ver quantas vezes aparece o verbo 'nascer' no evangelho.
A Igreja é uma mãe, e 'nós não seríamos cristãos se não reconhecêssemos o seu carácter essencial' (p. 167). A maternidade da Igreja realiza-se na geração e na formação do Cristo, por meio da Palavra e dos Sacramentos, na alma das pessoas. Com efeito, 'a Igreja, nossa casa, na qual o batismo nos introduziu, guarda a consciência da nossa identidade pessoal. Ela fornece-nos o ambiente onde esta consciência se pode expandir. Ela mantém no meio de nós estas coisas tão ameaçadas: o respeito pla vida e pela morte, a fidelidade ao amor familiar, (...). Por ela, uma abertura vertiginosa, obscura mas infalível, nos eleva ao nosso Pai que está nos céus. Nesta comunidade de vida nós, fomos postos num canal, (...) nele respiramos e existimos' (p. 215).
É a geração como filhos de Deus. Trata-se, porém, de uma geração que nunca está acabada e que se renova de dia para dia. 'Jamais se pode dizer que Cristo tenha sido alcançado em algum de nós. Jamais, por conseguinte, a ação maternal da Igreja cessa a nosso respeito' (p. 168). Antes, pelo contrário, esta geração conclui-se na união de mãe e filho: 'na nossa vida natural, cada passo para a idade adulta é um afastamento da infância, que anuncia uma perda do paraíso, um passo para a velhice e para a decrepitude. Mas, ao contrário, na vida espiritual, todo o progresso é uma renovação' (p. 165).
A este propósito, De Lubac, cita S. Agostinho: 'no casamento carnal, a mãe e a criança são distintos, na Igreja, a mãe e a criança são um' (p. 168).
Depois, Henri de Lubac afirma que a Igreja é mãe na sua totalidade, enquanto é unidade orgânica. Na atuação desta unidade, o Verbo de Deus nasce e cresce no cristão (p. 169). Na realidade, é a Igreja toda que realiza o nascimento de Cristo na alma, por meio do batismo. 'É, por assim dizer, uma maternidade de todos, indivisivelmente, em relação a cada um, e de cada um, em relação a todos' (p. 171). De Lubac cita a este propósito H. Newman quando afirma 'nesta Igreja dos Padres eu reconheço a minha mãe espiritual. (...). A renúncia dos ascetas, a paciência dos mártires, a determinação dos seus bispos, o elo alegre do nosso caminho em frente...' (p. 172).
Por fim, De Lubac cita K. Rahner: 'muitos cristãos, diz-me ele, qualquer que seja a sua obediência religiosa, têm tendência a fazer do cristianismo uma ideologia, uma abstração. e as abstrações não têm necessidade de mãe. (...) A maternidade da Igreja não sentido para os nossos sistemas ideológicos, mas nós - para nos livrarmos da sua abstração, temos necessidade de voltar à uma mãe' (p. 219).
Em Meditação sobre a Igreja, um compêndio de conferências pronunciaras entre 1946-1949, Henri de Lubac, seguindo a frase de P. Claudel - ‘louvada seja para sempre está grande Mãe, aos joelhos de quem tudo de facto aprendemos” - compõe o seu hino de gratidão à Mãe Igreja: ‘louvada seja a Igreja pelo mistério divino que ela nos comunica… Louvada seja ela pelo perdão que nos assegura… louvada seja ela pelos focos de vida religiosa que ela suscita… Louvada seja ela pelo universo interior que ela nos descobre… louvada seja ela pelo desejo e pela esperança que ela nos dispõe… louvada seja por tudo o que ela desmascar e e dissipa em nós de ilusões… Mãe casta…(p. 236-240).
Em vista desta Mãe, assaltam-nos muitas tentações cuja expressões ‘clericalismo’, ‘mundanismo’, nos parecem familiares.
A primeira tentação é a ‘passagem dialéctica’ (p. 241) do querer servir a Igreja ao colocá-la ao seu serviço. Ê a tentação de manter eternamente o mesmo universo mental, social e cultural, num cristianismo clerical, defensivo e endurecido; a tentação de chamar de liberalismo ou modernismo tudo o que possa aparecer de novo. ‘Craignons une usurpation sacrilège’ (p. 245). As palavras são de De Lubac. ‘Mas nós sabemos que o milagre se dará de cada vez inédito, de cada vez imprevisto, nós sabemos que ele se renovará’ (p. 243).
A segunda tentação é a tentação inversa da crítica (p. 245). A boa crítica é um discernimento, uma auto crítica, um esforço de realismo. A boa crítica provoca uma atividade redobrada, um espírito de invenção, uma realização de pesquisas e de experiências. Vêmo-la na palavra de muitos Santos. Mas essa palavra nada tem que ver com ‘la pruderie ou le calcul hypocrite’ (p. 248), ou com a ‘la plainte stérile, perte ou seulement diminuition de la confiança envers l’Église’. Algumas vezes esse mal torna-se ipidemia, neurastenia colectiva, ‘Tudo recebe uma interpretação pejorativa’ (p. 249). ‘Por este movimento farisaico, espécie de secessão interior, …, compromete-se por uma via que pode conduzir à renegação’.
A terceira tentação é a da ilusão, ou da quimera. É a tentação de ‘mudar de método como faz uma qualquer empresa humana’, sem que a fonte real seja a caridade de Cristo (p. 253). ‘Querendo lutar contra o anquilosamento e a esclerose podemos estar a fazer algumas doenças infantis’. De Lubac pede que trilhe um caminho entre o aprisionamento mesquinho ou morbidez do passado e a suficiência moderna (p. 255). A palavra aparece-nos então conhecida: ‘vigiemos para não acolhermos em nós mesmos a mundaneidade - popular ou burguesa, vulgar ou refinada’ (p. 255).
A tentação do sucesso, da eficácia, ou de se enganar no objectivo (p. 258). ‘A igreja deve, como Cristo, estar em agonia jusqu’au fin du monde’ (p. 256). A igreja não vive para si mesma - para o quantitativo, o massivo, para a autoridade social, a notoriedade, o prestígio - que nos desviam da realidade central, mas para anunciar o Reino dos céus e levar os homens ao Reino dos céus.
A tentação da sabedoria do mundo - ‘esta é a tentação mais grave’ (p. 260). ‘A Igreja existe aqui em baixo na forma de escravo’ (p. 260). A Igreja deve procurar a sabedoria de espírito e não sabedoria do mundo; não é uma assembleia de sábios mas de medíocres; não uma elite, mas uma grosseria. Esta tentação dos ‘aristocratas’ (p. 262) da Igreja se assemelharem aos sábios, e competirem com outras associações civis, sem perceber a distância. O conhecimento, a cultura, a arte, a influência, ‘não muda a vulgaridade manifesta do tecido conjuntivo em que toda a existência católica se deve acomodar decida para dia e na qual é preciso se inserir’ (p. 264).
De Lubac, recordando A. Malroux com ‘estas pobres figuras… respondem mal a esta voz profunda’, bem como recordando Pascal com o extremo contraste da complexio oppositorum ‘grandeza e miséria do homem’. Renata com Newman: ‘nós tínhamos poucas coisas para mostrar’ (p. 269).
«Que ele possa permanecer como o Sol[4] e como a Lua, de geração em geração. (Sl 72,3-4)»
Em Paradoxo e Mistério da Igreja, de 1967, Henri de Lubac mostra que a Igreja é um mistério, no sentido de desígnio.
Jesus Cristo é o mistério único, e 'a Igreja é um mistério mas um mistério derivado. Ela é mistério porque vem de Deus' (p. 33). 'Pode-se falar como Dídimo o Cego de uma constituição lunar da Igreja' (p. 36) uma vez que a sua luz não vem dela mesma mas de Cristo.
A imagem da lua remete-nos, por um lado, ao obscurecimento do sol - por exemplo, na paixão de Cristo, o sol obscureceu-se - e às fases da lua, lembrando que 'a Igreja, neste século, é uma Igreja sempre morrente, e que é dessa forma que ela se renova' (p. 37). Por outro lado, a imagem da lua indica-nos a aurora e 'anuncia a absorção definitiva da lua no seu sol' (p. 38).
Em Paradoxo e Mistério da Igreja, de 1967, Henri de Lubac refere que é sempre necessário ajustar o nosso olhar a um ponto focal da Igreja, uma vez que apenas conseguimos ver uma parte - uma perspetiva ou os 'acidentes' da Igreja; depois, é que vamos ajustando a visão para ver o seu enorme 'paradoxo que nos vai introduzir ao seu mistério' (p. 12); por último, vemos o seu mistério como unidade profunda, que De Lubac, citando Teilhard de Chardin, descreve como "eixo priveligiado central', 'eixo de progressão e de assimilação' ou 'corrente axial da vida' (p. 29) - quer dizer, que a Igreja é um vector que leva os homens a Deus.
Neste sentido, segundo o autor, não se compreende o mistério da Igreja sem entrar nele, de modo que o mistério da Igreja não pode ser compreendido de fora, e de forma direta e clara. Esse mistério da Igreja pode ser contemplado quando ele passa através de nós - 'o mistério da anima ecclesiastica' (p. 17) que passa e demora nos membros da Igreja- e que se reflete nas inteligências. A este propósito diz o teólogo que 'o mistério da Igreja como todo o mistério não pode ser apreendido por uma vista directa e simples, mas apenas através da sua refracção nas nossas inteligências' (p. 43).
Mas a Igreja é feita de homens e não apenas de mistério. Acentuar um lado ou o outro seria cair numa espécie de monofisismo ecclesiale, de unilateralidade, parecido ao monofisismo cristologie (p. 49). “ A Igreja esconde a sua glória numa veste obscura; ela traz a contradição nela mesma’ (p. 51). A Igreja é visível e invisível, a Igreja tem a autoridade e a Igreja tem o espírito. A igreja é nesse sentido sacramento - mistério - porque tem estes dois lados visível e invisível, real e simbólico, lados que estão unidos pela sua eficácia. São aquilo que significam.
Henri de Lubac, no texto Église et Corps mystique, de , afirma que ‘a Igreja é um misterioso organismo que não será actualizado a não ser no fim dos tempos; não mais como meio para unificar em Deus a humanidade, mas como o próprio fim, a unidade consumada’ (p. 45). ‘A Igreja é como o Tabernáculo no deserto diante do Templo de Salomão’ (p. 47). As figuras mostram que a Igreja não é Corpo de Cristo mas já é o Corpo de Cristo, uma vez que entre o fim e o meio há uma relação de correspondência, não apenas uma relação extrínseca (p. 48). A Igreja vista apenas numa perspectiva espiritual - uma Igreja dos Santos - é uma pura abstração; a Igreja não ê uma espécie de hipostase transcendental (p. 38); mas ela tambem não apenas uma federação de assembleias locais. A Igreja é de facto um mistério, o sacramento de Cristo, a Imagem de Cristo. A ecclesia precede logicamente os cletoi, da mesma forma que a convocatio precede a congregatio (p. 39).
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