Todos aqueles que andamos na paróquia, ou num movimento da Igreja, temos um apreço muito grande pela catequese. A catequese é a estrutura que traz vida à comunidade cristã, sobretudo a vida como futuro e como promessa. É por isso que lhe temos muita estima. Temos com certeza muitas histórias para contar, daquelas divertidas, que acontecem aos miúdos, ou que são trazidas pelos pais ou pelos catequistas. Já rimos muito, e também, verdade seja dita, também já nos aborrecemos muito. A história que mais serve a este texto é a história de um miúdo a quem chamo Man’el. “Manel, então, quem é Deus? Amor! E quem é Jesus? Amor! E a Igreja, o que é? Amor! E a catequese? Amor!”. O Man’el respondia a brincar Amor, e acertaria sempre, porque é disso que se trata, ainda que para ele não fizesse sentido!
Lembrei-me desta história porque a coisa mais difícil de fazer na catequese é dar sentido, significado, àquilo que eles andam para ali a fazer. Na paróquia e na Igreja já não damos conhecimento a nenhum deles, porque eles sabem tudo à distância de um clique, e também não lhes damos a referência de um santo, de um papa ou de um bispo, porque a veneração deles é devida a um jogador de futebol, ou a alguém de quem nunca ouvimos falar. Nem o conhecimento, nem a referência, nem sequer os valores, porque esses valores também não são diferentes dos da família, da escola, do clube de futebol. Sim, damos Jesus e a graça de Deus derramada nos corações, e, nela, podemos dar a ligação entre as coisas que andam muito desligadas. Mas só lhas damos se lhes conseguirmos chegar! E era aqui que eu queria chegar.
1. A iniciação como criação de imagens significativas
Andei a investigar uns guias e uns catecismos onde encontrei algumas imagens que gostaria de partilhar. A primeira imagem é trazida por uma palavra difícil, a palavra ‘impregnação’; encontrei-a num pequeno catecismo familiar dos 5-6 anos, como uma estratégia para provocar os miúdos na imitação da postura e dos gestos dos adultos, país ou catequistas. A ideia de que a iniciação é uma impregnação, uma influência lenta, traz a imagem sugestiva de uma palavra emocionante, significativa, a entrar no coração das crianças, para lá deixar qualquer coisa a remoer.
A segunda imagem é trazida pela palavra ‘bebé’, e encontrei-a num percurso A, para as crianças dos 8 aos 11 anos. No ensinamento sobre a criação, do livro do Génesis, ou no ensinamento sobre o ‘sim’ de Maria, na Anunciação, encontrei mais ou menos isto, “Deus cria o mundo em 5 dias, para receber o homem no sexto dia; é como uma mãe que prepara a casa e o seu quarto para receber um bebé”. Ou nestes termos, “Maria disse ‘sim’ e recebeu Jesus no seu ventre durante 9 meses, e teve um bebé nos seus braços durante muito tempo”. A imagem é muito sugestiva para as crianças, que ainda gostam de ser bebés, como o próprio Senhor que chama Abbá, Papá.
Com certeza que há muitos outros princípios na catequese, porque ela é um exercício complexo e transversal, mas a ideia da iniciação como a criação de uma imagem significativa, para criar nelas qualquer coisa com significado, é fascinante. Na Igreja, e nas paróquias, pensamos muito a iniciação cristã como uma introdução à fé e à vida da Igreja. E bem, porque efectivamente é isso que ela é. Essa tem sido também a minha percepção. Mas sem aquela outra iniciação, mais simples, mais interior, e muito mais anterior, que é a iniciação à semântica, à significação, como descrever a vinda de um bebé, a nossa iniciação cristã fica-se por um palavreado chato.
Não sei se consigo passar a ideia, mas uma iniciação que saiba criar imagens significativas, vai gerar sentimentos, emoção, interiorização e rememoração. O Novo Directório da Catequese parece-me dizer duas coisas muito importantes a este respeito. A primeira é que, em Jesus, “a parábola e a imagem se tornam uma verdadeira pedagogia para revelar o mistério do seu amor” (159). A segunda é que “a experiência humana é um espaço em que Deus fala” (n. 197). Metermo-nos na mentalidade do Novo Directório, implica muito gosto, muita vontade e muito tempo.
2. A iniciação como escuta da voz do Espírito
Encontrei também, nalguns manuais da infância, uma referência muito clara ao Espírito Santo que desce ao coração das crianças e produz uma coisa nova. O propósito de cada um desses ensinamentos é o de mostrar que Deus é imenso, fala connosco e quer habitar em nós; e de que nós temos a capacidade de o receber, de o sentir, de o conhecer e o amar. Mas dizer todas estas palavras não faria qualquer sentido para uma criança, sem dizer a frase que se segue: “Deus fala, e vem ter contigo, e tu tens ouvidos para o escutar, olhos para o ver, e boca para lhe falar”. Eu pensaria logo “tenho?!”. Sim, parece que temos, e que “assim como Deus anima a criação com o seu Espírito Santo, Ele vem encher o teu coração com a sua presença”.
É o princípio de que posso captar a voz do Espírito e receber as suas graças no meu coração. Notei, nesse sentido, uma grande insistência na resposta, na expressão, dessa presença interior, no louvor, na adoração, na oração, por meio das quais o Espírito me fala e eu também lhe falo. O Novo Directório também fala do primado da graça, dizendo que “toda a catequese precisa de ser uma catequese de graça, pois é pela graça que somos salvos” (174); e ainda que “a catequese é o anúncio da beleza de Deus que toca o coração e a mente” (175). De facto, como la se diz, Espirito toma a iniciativa, precede-a no seu amor, e, por isso, sabe ir à sua frente.
3. A iniciativa do amor implica uma pedagogia do amor
O Novo Diretório para a Catequese descreve a pedagogia divina - a pedagogia de Deus, como uma iniciativa de amor (n. 157); indica que na pedagogia de Jesus “a palavra e o silêncio, a parábola e a imagem tornam-se uma verdadeira pedagogia para revelar o mistério do amor” (159); e que o Espírito é dom e dador de todos os dons (162). Também a pedagogia da Igreja é inspirada na relação educativa de Jesus atestada nas narrativas do Evangelho (164) e, nesse sentido, a pedagogia da catequese há-de ser a pedagogia da encarnação (166). Isto significa que se a pedagogia de Deus é uma iniciativa de amor, a pedagogia da Igreja é uma pedagogia de amor. Talvez com imagens mais significativas, nas catequeses, e nas missas, possamos criar esta afeção, essa emoção, no coração dos nossos Manuel’s. Eu, pecador, me confesso! Ainda assim, não deixa de ser fascinante!
Le grain du blé, Louis Janmot, XIX. O cura de aldeia explica a parábola, com uma espiga de trigo na mão.
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