São muitas as questões que se levantam neste momento no país. Se na política tudo é permitido? Se um governo a tudo se pode permitir? Se a 9 empresas nacionais, é permitido o lucro de 4 mil e 500 milhões de euros, neste ano de 2023? Se serão permitidas mais injeções e investimentos milionários, com o dinheiro dos outros, por caprichos pessoais, ideológicos, ou pressões corporativas?
Bento XVI dizia que “cada geração, enquanto procura promover o bem comum, deve perguntar sempre de novo: quais são as exigências que os governos podem impor razoavelmente aos seus próprios cidadãos, e até onde elas podem estender-se? Que autoridade é possível interpelar, para resolver os dilemas morais?”
O papa acrescentaria a estas perguntas, que “a questão fulcral em jogo é a seguinte: onde pode ser encontrado o fundamento ético para as escolhas políticas?” (Ao parlamento inglês, a 17 de setembro de 2010).
1. A Justiça.
No fundo, o que perguntamos é: “o que é a justiça?” e “como posso ser justo?”
A este respeito fui procurar respostas em S. Tomás de Aquino, e que aqui exponho, sem muito rigor e de forma muito simplista. Porque Tomás de Aquino é um gigante, e porque escreveu um Tratado sobre a Justiça (Suma Teológica, II-II), com 66 questões, em 350 artigos, maior que o Tratado sobre a Caridade (24 questões), o Tratado sobre a Fé (16), ou o Tratado sobre a Esperança (6). É imenso!!
Para São Tomás, “a justiça é um hábito pelo qual, com vontade constante e perpétua, atribuímos a cada um o que lhe pertence” (II-II, q. 58, a.1).
Em primeiro lugar, a justiça nasce da vontade constante e perpétua. “Dar a cada um o que lhe pertence não pode proceder do apetite sensitivo; não pode ter como sujeito o irascível ou o concupiscível, mas só a vontade. A justiça é a retidão da vontade” (a.4).
Em segundo lugar, enquanto que as virtudes da fortaleza e da temperança se dirigem à perfeição do próprio acto, a virtude da justiça orienta o acto para a relação justa com o próximo, com a comunidade e com Deus, dando a cada um o que lhe pertence.
Assim, prestamos a Deus a justiça da nossa religião, que é amor, e reverência, bem como a oração da mente e a devoção do coração, a que seguem os actos exteriores da oblação, do sacrifício, do voto. Aos nossos pais, aos formadores, e aos superiores, oferecemos a justiça da nossa veneração, que é respeito, honra e obediência. Ao outro, ao próximo, à comunidade, e até ao estranho, prestamos a justiça da nossa civilidade, expressas na gratidão, restituição, verdade, afabilidade, liberalidade, amizade. (I-II, Q. 60, a 3)
Vemos desta forma que, para S. Tomás, a justiça é igualdade proporcional, ou seja, a justiça é devida a todos os homens de acordo com a natureza humana, e também de acordo com a relação que têm na comunidade. Uma justiça igualitária poderia representar um dano, por omitir ou errar o devido a alguém, ou um lucro (um excesso), ao retribuir em demasia!
“Chama-se ‘nosso’ ao que nos é devido por uma igualdade proporcional; o ato próprio da justiça não consiste senão em dar a cada um o que lhe pertence. Como diz o Filósofo, tudo o que ultrapassa a medida, em matéria de justiça, é chamado, por extensão, lucro; assim como tudo o que não a atinge chama-se dano (a.11).
2. O legislador honra a justiça natural e o direito natural.
Para S. Tomás, dar o que é devido é dar o que está estabelecido por natureza, ou seja, é exercer uma justiça natural, é exercer uma ação conforme a natureza da pessoa e o sentido comunitário do viver em conjunto (q.57, a.1); e dar o que é devido é também dar aquilo que está estabelecido por lei, ou seja, é exercer uma justiça particular, que está escrita na letra da lei humana.
O conteúdo desta justiça natural é o direito natural, e o conteúdo desta justiça particular é o direito positivo, chamado direito das gentes (q. 57, a.1). O direito natural é o sentido comunitário, a percepção comunitária, não escrita, do que é próprio do ser homem, do ser pessoa relacional - é uma espécie de sensus communitatis ao jeito do sensus fidelium, do papa Francisco!
O direito natural é a apropriação comunitária, ou a apreensão comunitária, da lei natural inscrita na natureza de cada pessoa, de cada singular.
Um legislador tem de saber - saborear! de justiça natural e de direito natural, antes de saber da justiça particular escrita e das leis humanas escritas. Tem de estar absolutamente convicto de saber o que é uma pessoa, e uma pessoa numa família, numa escola, numa aldeia, num hospital, numa empresa, etc., para só depois a tratar como voto, número, estatística, sondagem. Doutra maneira, como disse J. Ratzinger ao parlamento inglês, vai viver sem um sólido fundamento ético, e executar soluções pragmáticas, inadequadas, e de curto prazo, às novas problemáticas sociais e éticas.
A Comissão teológica internacional, no texto Em busca de uma ética universal, novo olhar sobre a lei natural, de 2009, no n. 92, afirma a este propósito:
“O direito natural é aquilo que é naturalmente justo antes de toda formulação legal. Ele se exprime em particular nos direitos subjetivos da pessoa, como o respeito a sua vida e a sua integridade, a liberdade religiosa e de pensamento, o direito de constituir uma família e de educar os filhos segundo suas convicções, o direito de se associar com os outros, de participar na vida de uma coletividade”.
“O direito natural é a ancoragem das leis humanas na lei natural. Ele é o horizonte em função do qual o legislador humano deve se guiar quando emana normas na sua missão de servir ao bem comum. Nesse sentido, ele honra a lei natural, inerente à humanidade do homem” (Cti, n. 89).
3. A justiça geral, a justiça distributiva e a justiça cumulativa.
S. Tomás divide a justiça em três grandes blocos, a justiça geral, a justiça distributiva e a justiça cumulativa (q. 61, a.1).
A justiça geral é a justiça que enquadra a relação com o todo, como vimos em cima.
A justiça distributiva é a justiça que existe na relação entre o comum e o particular, entre o todo que concede o que é devido às partes.
A justiça cumulativa é a justiça estabelecida na relação de um indivíduo com outro indivíduo, entre uma parte que concede o que é devido à outra parte, por exemplo, na compra e venda, na entrega e na recompensa.
A justiça distributiva regula a distribuição de acordo com a proporção geométrica, e não de acordo com a igualdade quantitativa, ou seja, a justiça distributiva considera o ‘meio-termo do real’, mais do que o ‘meio-termo do racional’. Ela considera a condição da pessoa na comunidade.
A justiça cumulativa regula a comutação de acordo com a proporção aritmética, ou seja, de acorde o com a restituição proporcional (q.61, a.2).
Mas todas, a justiça geral e a justiça especial, com os seus conteúdos do direito natural e do direito positivo, e as suas especializações na justiça distributiva, cumulativa é legal, todas se orientam para fazer o bem considerado como um dever para com Deus, para com a comunidade e para com o próximo (q.79, a.2).
Conclusão.
O que espanta no esquema de S. Tomás é que a virtude da justiça é o acto correcto de uma relação. Se lhe acrescentarmos a graça do Espírito Santo, torna-se o dom da piedade, e, por fim, em acto continuo, torna-se a satisfação da bem-aventurança que diz “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados”.
Tudo isto para dizer que ainda falta muito, Senhor!
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