São Tomas de Aquino, citando Aristóteles, diz que ‘a falta de exercício dissolve muitas amizades’ (Q.53,a.3). Não temos dúvida de que assim é, e de que a falta de encontro diminui a relação, como a falta de trabalho diminui o empenho, ou a falta de estudo tira a capacidade. A falta de exercício do bem leva, de facto, à diminuição e à perda do bem.
A esta falta, S. Tomás chama de ‘privação’. A privação não existe, não tem realidade; ‘não tem natureza nem essência’, ‘nem forma, nem matéria’, no dizer de Aquino. É ausência, é derrota, é falta de alcance.
Note-se que São Tomás, quando fala de bem e de bondade, não aponta apenas para o que concebemos como bem; o bem é o movimento para a perfeição a que somos chamados e, por isso, é o fim último para que tendemos. ‘O bem é aquilo que leva à perfeição’.
Deus criou um ecossistema de bem, onde todos os seres tendem para a sua perfeição. Criou seres que não têm conhecimento e apenas tendência natural, como as plantas; com conhecimento sensitivo e apetite natural, como os animais; com conhecimento racional e vontade racional - os seres humanos; com conhecimento espiritual e dileção, como os anjos!
No universo ordenado, todos os seres tendem para qualquer coisa. A erva tende a crescer, o cordeiro a comer a erva, o leão a caçar o cordeiro, o homem a guardar o leão, o anjo a guardar o homem! Tudo está ordenado convenientemente, conforme o seu bem e a sua finalidade!
O ser humano distingue-se pelo seu intelecto e pela sua vontade, orientados para o conhecimento e para o amor. Maximamente, para o conhecimento e amor de Deus. Somos seres dotados de liberdade, e como tal, de abertura e amplitude, ou do seu contrário, de diminuição e perda do alcance.
Às vezes, por incapacidade, má formação ou ignorância, não acertamos no bem, e escolhemos um bem aparente, ou errado, que nos leva a agir não conforme àquilo que gostaríamos de ser. Assim, ‘a deficiência do agente produz uma ação deficiente’; e ‘um agente corrompido, deficiente de bem e privado de felicidade produz uma ação corrompida, deficiente de bem e privada de felicidade’.
A falta de bem é uma privação. ‘O mal é a falta do bem natural’ (Q. 49, a.1).
Segundo São Tomás, o mal é o efeito da ‘desconsideração’ do homem pela sua própria razão, é o efeito da redução do homem às paixões da concupiscência (o desejo, o prazer, o ódio, a aversão) e da irascibilidade (o desespero, a ousadia, o medo, a raiva).
O mal é a incapacidade de fazer o bem; é incapacidade de estar à altura da condição humana, de realizar-se como tal e de ser feliz. O mal é uma baixeza, uma bestialidade, que faz com que as nossas faculdades humanas se apaguem e se reduzam às faculdades sensitivas. O mal tende à sua própria destruição.
Quando Hanna Arendt falava da ‘banalidade do mal’, e dizia que ‘não eram monstros, mas sujeitos medíocres, que tinham renunciado a pensar’, queria dizer que os oficiais alemães tinham renunciado à sua capacidade de conhecer e à sua vontade de amar. Tinham descido baixo na sua condição humana, a ponto de quererem que os judeus se reconhecessem desprovidos de natureza humana.
Para todos os casos de guerra, somos seres humanos e seres-capazes-de-sentido. Não brutos.
Em todos as circunstâncias, precisamos de fazer pequenos movimentos de bem. A falta de exercício torna-nos como os brutos.