sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

UM LIVRO PARA A QUARESMA DE 2024: A Arte de Curar, de Fabio Rosini

O padre Fabio Rosini é um padre italiano, da diocese de Roma, cujos livros vão sendo traduzidos para português. Depois da A Arte de Recomeçar, de 2021, sobre o discernimento, a partir dos seis dias da criação, surgiu A Arte de Curar, de 2023, 342 p., sobre a cura do amor, a partir do relato da hemorroíssa e da ressurreição da filha de Jairo. Este livro pela sua profunda espiritualidade faz-me lembrar outros quase-clássicos como O Curador Ferido ou O Filho Pródigo, do Henri Nouwen, ou O Elogio da Sede, do Cardeal Tolentino Mendonça. 

Fabio Rosini aborda o medo enquanto sistema que impede, distorce ou diminui o amor. O medo - o medo de não ter importância nenhuma, de não ser reconhecido, de ser rejeitado, de desiludir, de sofrer, de cair na frustração, de perder o controlo, etc… - é a causa de uma série de patologias relacionais. O medo é ‘o golpe que está por detrás da vergonha, da falta de liberdade, do encerramento, das violências, do espírito possessivo, das dependências, dos apetites desordenados, das timidezes, dos autodesprezos, da frieza dos corações, das torturas ardilosas, das agressividades, das inseguranças e das dificuldades afectivas de qualquer tipo’ (p. 73). 

Esta descrição das nossas atitudes é um conjunto de ‘sintomas’ de ‘patologias relacionais’ que não posso negar, nem banalizar, nem sequer contrariar. Fabio Rosini pede que cada um dos nossos sintomas seja enfrentado e questionado com ternura por nós mesmos e ao mesmo tempo com verdade: porque me comporto assim? Com que medo estou em contacto? Só está clareza nos dará lucidez para nos magoarmos menos. ‘Então, não se trata de dar cabo do medo à força, ou, pior ainda, de negá-lo. Que devo fazer, então?’ (p. 83). 

Para o autor, os sintomas revelam uma patologia relacional causada pelo medo, e o próprio medo tem uma origem nas nossas vivências pessoais que ‘autossabotaram’ o nosso sistema operativo. Muitas das circunstâncias da nossa vida criaram dentro de nós uma falsidade, uma mentira, acerca de nós próprios, que foi sendo interiorizada, assumida, a maior parte das vezes de forma inconsciente, e que nos roubou a nossa própria identidade. Rosini é peremptório no que respeita à auto-aceitação da nossa auto-diminuição como pessoas: ‘o espaço destas mentiras é o pensamento triste. Estes pensamentos autodestrutivos ou autoexaltantes têm o contexto mental da melancolia autocomiserações, daquela tristeza adocicada a que se referiu o papa Francisco’ (p. 95). 

Assim, ‘de um modo geral, a tonalidade desse pensamento tem que ver com a má metabolização de um acontecimento passado, lido em sentido triste, doloroso, sem qualquer aspecto construtivo’ (p. 97). Para o autor, um conjunto de vivências introduziram o autodesprezo e a vergonha nós nossos corações. ‘Recapitulemos o percurso feito: temos atitudes erradas que são as nossas patologias afectivas, produzidas pelos nossos medos, e estes são gerados por convicções erradas, que os tornam devastadores. Tudo isto produz dor e então tentamos salvar-nos por estratégias que pioram a situação’ (p. 112). Habitualmente, diz o autor, como a hemorroíssa do evangelho que procurará muitos médicos, nós também procuramos muitos terapeutas para os nossos problemas. 

   (Elvis Spadoni, Emorroissa, 2017)



quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

350 anos do Sagrado Coração

1. As aparições do Sagrado Coração de Jesus 

Neste ano de 2024 celebramos 350 anos das aparições do Sagrado Coração (sobretudo quatro comunicações) a Santa Margarida Maria de Alacoque (1638-1690), ocorridas no Mosteiro da Visitação, em Paray-le-Moniale, entre 27 de dezembro de 1673 e 21 de Junho de 1675.

A primeira aparição ocorreu no dia de S. João, o apóstolo que viu o coração de Jesus a ser trespassado e a jorrar sangue e água. Nesta primeira aparição, o Senhor vai dizer-lhe na capela do mosteiro que ‘foste tu que eu escolhi, por causa da tua fraqueza e da tua ignorância, assim ver-se-á bem que tudo vem de mim’. Nesse mesmo instante, o Senhor tomou o seu Coração e colocou-o no coração de Margarida Maria que sente a união, enquanto ouve ‘doravante dou-te o nome de discípula do meu Sagrado Coração’. 

A segunda aparição em 1974 acontece numa comunicação do Senhor a Margarida Maria durante a adoração do Santíssimo Sacramento. Jesus pede à religiosa para comungar de modo mais frequente, e para comungar na primeira sexta feira de cada mês; depois pede para fazer uma Hora santa em cada quinta feira das 23.00 às 24.00 horas, ‘para acompanhar-Me na humilde oração que fiz então a meu Pai no meio de todas as minhas angústias’. A superiora não lhe permite o cumprimento das petições da parte do Senhor, concedendo-lhe permissão após a cura milagrosa de uma febre grave.

Numa terceira aparição, o Senhor pede a Margarida Maria para dizer à comunidade que o Senhor se queixa da falta de devoção de algumas religiosas. Santa Margarida teve muita dificuldade em fazer este anúncio, e fá-lo no capítulo de comunidade, sentindo imediatamente a indignação, a revolta e a arrogância, das irmãs. Aquela era a maior prova da sua vida. Nesta ocasião, o padre jesuíta Claude de la Colombière aparece na comunidade das visitandinas para ser o confessor das religiosas. O Padre de la Colombière confirma as aparições do Senhor e as graças que Margarida Maria tinha recebido.

A última aparição, a 13 de junho de 1975, acontece na festa do Corpo de Deus. O Senhor aparece e Margarida Maria vê o Senhor que lhe mostra-lhe o seu Coração dizendo ‘Vê o meu Coração que tanto amou os homens, que nada poupou até consumir-se e esgotar-se de amor. E em troca não recebe da maioria outra coisa que ingratidões, por suas irreverências, sacrilégios e desacatos neste sacramento de amor. (…) Por isto te peço que a primeira sexta feira, depois da oitava do Corpus, se célebre uma festa particular para honrar o meu Coração. (…) Prometo-te que o meu Coração derramará uma abundância de bênçãos do seu divino amor’. 

A primeira festa do Sagrado Coração será celebrada uma semana depois, a 21 de junho de 1675, por Margarida Maria e pelo padre de la Colombière que se consagraram pessoalmente ao Sagrado Coração. Santa Margarida Maria continua a sua vida de oração, a sua vida de reparação e as suas grandes penitências, tendo sido chama para Mestra de noviças. A festa será celebrada em todo o mosteiro em 1986. Santa Margarida Maria pinta o primeiro quadro do Sagrado Coração em 1985. Em 1988, começará a ser construída uma Capela em honra do Sagrado Coração. 

Uma nova superiora é eleita em 1690 e duvida das graças recebidas por Margarida Maria, e é tratada com muito desprezo e muitas humilhações. Santa Margarida Maria continua a sua vida de oração, a sua vida de reparação e as suas grandes penitências. Margarida Maria morre em 17 de outubro de 1690.

2. Entrar nos sentimentos de Jesus 

3. Receber a  graça de repouso, de consolação, de poder do Espírito e de misericórdia. 

A união ao Sagrado Coração dá a graça de repouso. O Senhor Jesus disse Vinde a mim todos os que andais cansados e oprimidos que Eu vós aliviarei. Vinde a mim que sou manso e humilde de coração. 




DIOCESE DE SANTARÉM. A caminho dos 50 anos

II. Muito para além de Adap's, precisamos de 'evangelizadores' com 'carta de missão'. Muito para além de 'conselhos pastorais' precisamos de verdadeiras 'equipas de animação missionária'

Um dos maiores desafios de uma Diocese - e de uma Paróquia - será sempre o desafio da evangelização, ou o de tornar-se uma Diocese e uma Paróquia missionárias. Sucede, porém, que a missão da Igreja e a evangelização têm estado muito dependentes da liturgia - e não da palavra - ou seja, têm estado muito dependentes da garantia da missa, dos sacramentos e dos atos de piedade, em todas as localidades. Uma missão evangelizadora que se autolimite nesta dimensão acabará por concentrar-se numa única pessoa - no ministro ordenado - que não conseguirá chegar a todo o lado. É o que tem acontecido num 'paradigma de manutenção de horários de missa'.

Procurei dizer, no artigo anterior, que a valorização do Domingo e o empenho de todos na celebração festiva da Eucaristia não são apenas importantes mas prioritários. Mas há mais missão que nasce de uma missa e também há mais missão que converge para uma missa. Numa Diocese - e nalgumas Paróquias mais ou menos rurais - como são boa parte das nossas - há aldeias, lugares e casais, que podem convergir para a mesma missa sem que isso signifique o abandono das suas igrejas, capelas ou oratórios; da mesma forma, da mesma missa pode advir uma maior missão para esses lugares. Precisaremos, por isso, de evangelizadores, de missionários, nos próprios lugares, ou então enviados para esses lugares. 

O ministério de catequista recentemente reinstaurado pelo papa Francisco pode muito bem ajudar a garantir e a enviar missionários por todo o território, que não o mantenham apenas, mas o 'missionem', o encontrem, o convidem. No que respeita este ponto, noto que em todo o território francês, em 2012, cerca de 9.500 leigos eram portadores de uma "carta de missão" (lettre de mission) escrita pelo bispo diocesano que nomeava certos cristãos para determinadas missões eclesiais. Pode, na verdade, haver mais missão de visita e de convite, num pequeno lugar, feito por um evangelizador que não precisa necessariamente de ser um animador de 'Assembleia dominical na ausência de presbítero'. Há mais missão para além das celebrações da palavra.

É também precisa uma equipa de missionários numa paróquia. Um padre não pode visitar sozinho todas as aldeias e todos os lugares, da mesma forma que não pode preparar sozinho a celebração do Domingo sem uma verdadeira equipa missionária. Às vezes os nossos conselhos pastorais são um belo grupo de preparação de uma festa, de uma procissão ou de uma angariação de fundos, mas não significa que seja um belo grupo missionário. Hoje precisamos muito de uma equipa missionaria que não seja apenas o coletivo das representações dos grupos e dos movimentos paroquiais, mas que seja um grupo que partilhe a mesma urgência missionária, a mesma visão missionária e a mesma convergência dos meios disponíveis.

James Mallon, a este propósito, fala dos quatro pilares de constituição de uma equipa missionária. É preciso Unidade de visão, Equilíbrio de forças, Vulnerabilidade e confiança e Tensão saudável. Quer dizer, é necessário um grupo que tenha o mesmo alinhamento de visão, cujas pessoas estejam no seu carisma próprio, numa autêntica relação de fé, caridade e perdão, e na transparência da sua intenção. No fundo precisamos de equipas compostas por pessoas credíveis, disponíveis, contagiantes e dóceis ('ductíveis'), que compreendam que a Igreja serve para anunciar Cristo.       

I. Empregar 80% do tempo pastoral para encontrar 80% da comunidade dos irmãos. Da clássica regra 20/80 para a regra de ouro 80/80.

A Diocese de Santarém fará, em Julho de 2025, cinquenta anos da sua criação. A celebração do cinquentenário vai coincidir com o tradicional jubileu da Encarnação. Parece-me uma ocasião propícia para a ação de graças, a reflexão, a purificação e a projeção. Seria importante marcarmos a data com uma revisão de vida, mais do que com eventos físicos, ainda que eles sejam necessários. 

Nesta ocasião, e também porque se aproxima uma nova nomeação pastoral, voltei a consultar James Mallon, Renovação Divina, Paulus, 2019. O livro foi publicado em 2014, e foi sendo aprofundado noutro, entretanto traduzido como J. Mallon, Desbloqueia a tua paróquia, Paulus, 2020. Há um outro sobre a renovação da diocese - Beyond the parish, de 2019 (Au-delà de la paroisse, de 2022) - que ainda não está traduzido em português. 

No primeiro livro, Renovação Divina, J. Mallon aponta 10 prioridades para a renovação de uma paróquia (p. 270-271). As primeiras quatro são:

1. Dar prioridade ao fim de semana 

2. Hospitalidade

3. Música edificante 

4. Homilias fabulosas 

(…)

As dez prioridades contrapõem-se aos sete valores reais por que se pautam as nossas actuais paróquias: 

1. Preservação dos edifício 

2. Catequese centrada nas crianças 

3. Conveniência de horários 

4. Expectativas mínimas 

(…)

Sucede que as quatro primeiras prioridades estão centradas à volta do fim de semana (p. 95-101). O fim de semana - aponta o conhecido autor - é o único momento em que vemos 80% das pessoas da comunidade e, apesar disso, investimos apenas 20% do tempo pastoral a planear e a preparar esse encontro. 

Na verdade, é fácil gastar 80% da semana em assuntos que não têm que ver com o fim de semana, tais como cartório, administração, reuniões, grupos, exéquias, etc. Planeamos e preparamos a semana como se nela acontecessem as coisas verdadeiramente importantes, e descuramos o fim de semana como se ele fosse ‘um acréscimo, um leve interromper do trabalho real, que decorre de segunda a sexta’ (p. 96). 

Não há dúvida de que a prioridade de qualquer paróquia e de qualquer sacerdote deveria ser o fim de semana, a celebração da eucaristia e o encontro da grande comunidade. É preciso ultrapassar a ‘clássica regra dos 80/20’ como diz Mallon, para uma outra regra de ouro 80/80: 80% do tempo semanal para planear e preparar o encontro com 80% da minha comunidade, em vez dos habituais 20% empregados para encontrar 80% da nossa comunidade. 

Na verdade, é fácil verificar como descuramos o domingo. Basta ver as celebrações seguidas umas das outras, sem tempo de qualidade para desenvolver relações e realizar convites, para encontrar ou juntar as pessoas; sem um ministério de música que motive e faça sentido, sem acólitos, sem famílias, etc. Assim, de repente, não podemos celebrar mais de duas eucaristias no domingo de manhã, às 10.30 e às 12.00 (uma outra às 16.00). Deveríamos arrumar assim o domingo para estarmos uns com os outros com comunhão e alegria.