segunda-feira, 18 de março de 2024

‘Uma geração de kids definitivos’ em Michel Houellebecq

1. Há já um tempo que queria ler M. Houellebecq. Não sei se o deva ler, ou, melhor, se não perco tempo em lê-lo. Há outros autores muito mais proveitosos ao espírito e à missão. Se quisesse fazer um comentário ao livro ‘A possibilidade de uma ilha’ entraria pela discussão sobre Teilhard de Chardin. Daniel defronta-se com Robert, um leitor de Teilhard - ‘na presença de um leitor de Teilhard de Chardin sinto-me desarmado, desconcertado, prestes a desfazer-me em lágrimas’ (73). Porque Teilhard é o pensador do Cristo Alfa e Omega, do donde e para onde do homem e da matéria. Há nele uma lenta cristificação do mundo; em Cristo, os processos ganham sentido, e, nesse ganho, tudo se transforma. Para Daniel, no entanto, só há o homem e a mulher, ‘um belo arranjo de partículas, uma superfície lisa, sem individualidade, cujo desaparecimento não teria importância nenhuma’; só há a matéria bruta, e a brutalidade da realidade e dos acontecimentos sociais; o homem tem apenas duas fases, a da ascensão, até aos quarenta, e a da degradação física e social, até à morte. Na primeira fase, cresce o sucesso, a riqueza, as realizações, e, com eles, o estatuto, a mansão de 17 quartos, os carros de alta cilindrada, o número de amigos, de mulheres disponíveis para o sexo; na segunda, cresce a ansiedade, o desejo insatisfeito, a confrontação com homens mais novos, a possibilidade da rejeição. ‘A minha encarnação degrada-se. As nossas noites já não vibram de terror e de êxtase, mas vamos vivendo, sem alegrias nem mistérios, o tempo parece-nos breve’. Diante da brutalidade do mundo, onde encontramos todo o género de vazio - abandono, vazio, solidão, enfermidade, envelhecimento, doença - e todo o género de violência - racismo, tortura, barbárie, pedofilia, homicídio, parricídio - Daniel compreende que é preciso fazer qualquer cosa. Os revolucionários respondem com uma brutalidade acrescida; os decoradores, como Vincent, procuram atenuar o sofrimento, criando uma nova estética, um mundo idílico;  os apaziguadores, como os eloimitas, satisfazem desejos, contemplam os bonismos da natureza, as maravilhas do ADN, as esperanças da ciência. Daniel é um experimentador de todas essas vivências, mas, sem se iludir com o naufrágio do homem e da civilização, prefere 'não viver no meio dos kids'. De nada vale tentar apaziguar-se. A realidade é dura. ‘Num mapa de escala 1/200 000, toda a gente parece feliz; à escala 1, encontramo-nos no mundo normal, o que não tem nada de divertido; mas se aumentarmos mais escala, entramos num pesadelo: começamos a distinguir os ácaros, as micoses, os parasitas, que roem as carnes’ (233).  No fundo, nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. A única solução para quem, como Zaratustra, anuncia que o amor morreu, será desaparecer. 'Fui dominado por um intenso desejo de desaparecer, de me fundir num vazio luminoso, activo, vibrante de potencialidades perpetuas' (363).

2. Os vários aspectos da existência humana são abordados de uma forma despersonalizada, quase mecânica, e determinista. Todos esses aspectos existenciais são um espaço de evangelização, no sentido de serem um lugar que pode receber uma boa notícia. A de que o amor não morreu. É por isso que o Evangelho continua a ser um testemunho do realismo da esponsalidade, da geração, da corporeidade, da amizade, da virtude. Contra o irrealismo, ou melhor, o hiper realismo que outra coisa não é que um materialismo. Contra o materialismo, a realidade da vida e do amor; contra o nihilismo, o sentido da existência.


Imagem do pintor hiperrealista Guillermo Lorca 

domingo, 3 de março de 2024

O SAGRADO CORAÇÃO, O AMOR ARDENTE PELA HUMANIDADE

1. Estamos a celebrar 350 anos das aparições do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria de Alacoque (1638-1690). Estas aparições provocaram um estrondo tão grande que encontramos hoje em quase todas as igrejas uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Encontramos, aliás, em todas elas, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus e uma imagem de N. Sra de Fátima.

A primeira aparição ocorreu a 27 de dezembro de 1673, no dia do apóstolo S. João. Margarida Maria tinha entrado na capela do mosteiro da Visitação, em Paray le Moniale, para fazer a adoração noturna. Enquanto adorava o Santíssimo Sacramento, o Senhor Jesus apareceu-lhe com o Coração coberto de espinhos. A religiosa continuou em adoração, reclinando-se sobre o lado de Jesus, e ouvindo o batimento do Seu coração. Vê, depois, o Senhor Jesus pegar no seu coração - como um pequeno ponto - um átomo - que introduz dentro do Seu próprio coração, para, depois, o voltar a colocar no de Margarida Maria. Diz-lhe nesse momento ‘O meu coração arde de amor pelos homens. Doravante dou-te o nome de discípula do meu Sagrado Coração’. Ao fazê-la discípula do Coração, Jesus pede a Margarida uma resposta de amor. 

A segunda aparição ocorreu na primeira sexta feira de junho de 1674. Estando na capela do mosteiro em adoração ao Santíssimo Sacramento, Margarida Maria vê Jesus resplandecente, todo Ele rodeado de luz e de fogo, e vê as cinco chagas de Jesus como cinco sóis. Nessa aparição, o Senhor Jesus mostra-lhe o Seu lado aberto, e o Seu coração como uma fornalha, que é a fonte de luz do corpo do ressuscitado. Enquanto lhe mostra o lado aberto, Jesus diz-lhe ‘tu, ao menos, dá-me esta alegria de reparar o mais que possas’. O Senhor pede-lhe então para fazer uma Hora santa, das 23.00 às 00.00, dessa quinta em honra da agonia do Getsemani, ‘para acompanhar-me na humilde oração que fiz ao Pai no meio de todas as minhas angústias’ e para comungar nas primeiras sextas feiras de cada mês. Ao pedir a Hora santa e a comunhão na primeira sexta feira Jesus pede a margarida uma resposta de amor.

A terceira aparição ocorre a 13 de junho de 1675. Durante a adoração ao Santíssimo Sacramento, o Senhor Jesus aparece a Santa Margarida Maria, mostra-lhe o Seu coração rodeado de espinhos e diz-lhe ‘eis este coração que tanto amou os homens (voilá ce coeur qui a tant aimé les hommes), e que nada poupou até consumir-se e esgotar-se de amor. E em troca só recebe ingratidões, irreverências, sacrilégios e ofensas’. O Senhor Jesus pede, por fim, a Margarida Maria que ‘a primeira sexta feira depois da oitava do Corpo de Deus seja dedicada a uma festa particular para honrar o meu coração’. Ao pedir a festa do Sagrado Coração, Jesus pede a Margarida uma resposta de amor.

A primeira festa em honra do Sagrado Coração de Jesus foi celebrada por Santa Margarida Maria e pelo padre jesuíta S. Claude de la Colombiére em 21 de Junho de 1675, tendo sido oficializada no mosteiro de Visitação em 1686. A Festa do Sagrado Coração foi estendida a toda a Igreja em 1856 e, desde 2002, é o Dia de oração pela santificação dos sacerdotes.

Num tempo de muito rigorismo, moralismo e dogmatismo, marcado pelo juízo, pela pena e pelo castigo, as aparições do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria de Alacoque mostram que o Coração de Jesus é um coração ardente de amor por todos os homens. Nestas aparições de Paray le Moniale, o Senhor Jesus, no Seu Sagrado Coração, mostra-se de forma pessoal, direta e íntima, a Margarida Maria, e deixa-Se tocar por ela. Margarida Maria foi, de facto, uma discípula do Coração de Jesus e uma mensageira do Seu amor por todos os homens. 

2. Quais os textos evangélicos que falam do Coração? O Padre Claude de la Colombière era o orientador espiritual e o confessor das religiosas do mosteiro da Visitação, e conhecia muito bem Margarida Maria e a sua experiência do Sagrado Coração de Jesus. Com certeza que o padre jesuíta teve de ajuizar a verdade das aparições, e de confrontá-las com o Evangelho e com a Tradição da Igreja. Será que o Evangelho descreve o Coração de Jesus, como amor pessoal, direto e íntimo, e como amor aberto a todos os homens? Será que é apenas uma experiência mística isolada, ou é uma experiência de amor ardente, que deve ser dilatada? Escolhi três pequenos textos do Evangelho que nos ajudam a perceber como o Coração de Jesus no próprio Evangelho é uma relação de amor pessoal, direto e íntimo, e uma fonte de amor e de vida para o mundo:
Mateus 11: Vinde a mim, todos os que estais fatigados e oprimidos, e eu vos darei descanso. 29Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas vidas, 30pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.

João 7: 37No último dia, o mais importante da festa, Jesus pôs-se de pé e clamou, dizendo: «Se alguém tem sede, venha a mim; e beba 38quem acredita em mim. Como diz a Escritura: Do seu coração brotarão rios de água viva»39Disse isto acerca do Espírito, que estavam prestes a receber os que nele acreditaram; de facto, ainda não havia Espírito, porque Jesus não fora ainda glorificado.

João 19:31Os judeus, visto que era a Preparação, para que os corpos não permanecessem na cruz durante o sábado – era um grande dia o daquele sábado –, pediram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas e fossem retirados32Vieram, então, os soldados e quebraram as pernas do primeiro e do outro que tinha sido crucificado com ele. 33Mas, ao chegar a Jesus, como o viram já morto, não lhe quebraram as pernas. 34No entanto, um dos soldados trespassou-lhe o lado com uma lança; e saiu imediatamente sangue e água.

3. Qual é a espiritualidade do Coração de Jesus? A espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus é a espiritualidade do amor de Deus e da abertura de Deus a todos os homens. Trata-se de uma espiritualidade que pode ser resumida na frase: Jesus ama-me, Jesus ama todos os homens, Jesus deseja que O amemos e que nos amemos uns aos outros. Escolho para sintetizar quatro dimensões da devoção ao Sagrado Coração de Jesus:
a) Espiritualidade da abertura do coração. No evangelho de S. João, Jesus diz ‘Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. (...) Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas. Ninguém ma tira sou Eu que a dou livremente’ (Jo 10,10-11,18). O Sagrado Coração de Jesus significa o coração humano de Jesus, é o centro originário da realidade humana de Jesus; o Sagrado Coração é a própria existência - a própria vida - de Jesus, oferecida a cada um de nós. A vida de Jesus é uma vida entregue, e o seu coração é um coração aberto a todos: aos familiares e aos conterrâneos de Nazaré, aos discípulos e aos habitantes das aldeias vizinhas, aos judeus e aos pagãos, aos homens e às mulheres, aos velhos e aos novos, aos pobres e aos doentes, aos publicanos e aos fariseus, aos políticos e aos sacerdotes.

O Sagrado Coração de Jesus é o sinal de que o Coração do Ressuscitado é um Coração aberto a todos os homens. Nos evangelhos estão representados todos os homens de todos os tempos e de todas as geografias. Os evangelhos mostram-nos que o Senhor Jesus a todos chama à vida e a todos chama à glória; o Senhor Jesus ama todos os homens, e a todos quer oferecer a salvação. Sem exclusões e sem condições. O Sagrado Coração é o sinal de que Jesus existe agora, de que ama incondicionalmente, e de que acompanha o ritmo da humanidade.

Se por um lado o Sagrado Coração de Jesus é o sinal do amor e da abertura de Deus a todos os homens, por outro, o Sagrado Coração pede também uma resposta de abertura e de amor. Se ‘eu tenho uma única doença - todo o amor que me falta - tenho (também) uma única salvação: todo o amor que Deus tem por mim’. Jesus pede-nos também uma resposta de amor como pediu a Margarida Maria. 

b) Espiritualidade de transformação de coração: de libertação da lógica da compra de amor e da lógica do medo. O Senhor diz no evangelho que ‘é do coração que procedem más intenções, homicídios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos difamações. São estas coisas que tornam o homem impuro’ (Mt 15,19-20). Estes são os frutos - os resultados - de não sabermos amar.

Fabio Rosini diz que nós, desde que entrámos no mundo, contamos apenas connosco próprios e com a satisfação das nossas carências pessoais: vivemos, por isso, na lógica de comprar amor - de mendigar amor - de instrumentalizar o amor - para sermos recompensados; e que, por essa razão, acabámos por entrar na lógica do medo de não sermos amados e de não obtermos a nossa compensação. As crianças dão um beijo à avó se virem em volta dela qualquer coisa que lhes interesse! Os adultos procuramos agradar ou cativar para sermos considerados ou estimados por alguém! Os exemplos podem ser muitos... 

Na lógica do comprar amor, mostramos que precisamos de ser gostados, estimados, reconhecidos, considerados, elogiados, satisfeitos. Temos horror de sermos tolerados, desconsiderados, de nos sentirmos a mais, de sermos desprezados, humilhados, ofendidos. Temos medo de não ser aceites, de não ser respeitados, de sermos rejeitados, etcO coração está cheio de medos: medo de não ser amado, medo de não ser apreciado, medo de não ter importância, medo de ser descartável, medo de ser rejeitado, medo de de desiludir, medo de perder o controlo, medo de sofrer. 

A lógica do medo dentro do homem é a autossabotagem de si próprio, e da sua felicidade. É a lógica de contar apenas comigo e de instrumentalizar todas as relações. 

O Sagrado Coração - o amor humano de Jesus - liberta-nos da lógica de comprarmos amor e da lógica do medo. O Sagrado Coração põe um só Senhor, e um só Espírito no coração, de tal modo que sei que a minha vida e o meu amor estão guardados na vida e no amor de Jesus. No Filho e no Espírito clamo Abbá Pai. 

O Sagrado Coração põe virtudes cardeais (justiça, fortaleza, temperança e prudência) no nosso coração; coloca virtudes teologais (fé, esperança e entendimento); e dons espirituais (entendimento, ciência, sabedoria, conselho, justiça, piedade e temor de Deus). Transforma o amor-de-mim e a vida-para-mim num amor-para-ti e numa vida-para-ti.

c) Espiritualidade de reparação do amor ferido: espiritualidade da consolação e da cura do amor ferido. Diz o Senhor ‘Vinde a mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei’ (Mt 11,28). Quando entramos na lógica de comprar amor e na lógica do medo entramos na dependência dos outros. A dependência dos outros traz-nos muitas feridas - feridas relacionais - porque as nossas mendicâncias, as nossas indigências, de amor, não são sempre correspondidas. A nossa procura de amor recebe muitas vezes a resposta das muitas indiferenças e desconsiderações; de murmurações, críticas e acusações; desprezos, humilhações e abusos; rejeição, abandono e inimizade. 

Essas respostas criam também enormes feridas interiores, e geram sentimentos contrários ao amor, como o ressentimento, o rancor, o ciúme, a inveja, a ira, o ódio, a violência, etc... mas também o autodesprezo, a autocomiseração, a autovitimização. 

O Sagrado Coração de Jesus deseja reparar as nossas feridas relacionais e as nossas feridas interiores. O amor de Deus derramado no nosso coração é maior que a nossa dependência, condicionamento ou sujeição aos outros. O Sagrado Coração de Jesus ajuda-nos a viver na liberdade dos filhos de Deus; faz-me compreender que sou filho, não servo, ou escravo, ou vítima. 

d) A espiritualidade do repouso do coração. 
Diz o Senhor no evangelho ‘tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para as vossas almas’ (Mt11,29). O Sagrado Coração traz-nos paz e repouso.

Desde o livro do Génesis que uma das características de Deus é a de ter entrado no seu repouso: ‘no sétimo dia, Deus repousou de todas as suas obras’. Também no final da Epístola aos Hebreus se fala do repouso de Cristo: ‘Empenhemo-nos, portanto, por entrar nesse repouso’ (Heb 4,11). O salmo mais pequeno da Bíblia, o salmo 131, diz ‘Senhor, não se eleva soberbo o meu coração, nem se levantam altivos os meus olhos, não ambiciono riquezas, nem coisas superiores a mim. Antes fico sossegado e tranquilo como criança ao colo de sua mãe’.

São João da Cruz diz que ‘alma que anda no amor não cansa nem se cansa’. 

Infelizmente, andamos todos pouco repousados, pouco descansados; às vezes, inquietos, perturbados, desiquilibrados, frustrados, angustiados, depressivos. Isto acontece porque não estamos na lógica do coração, na lógica da confiança e da entrega, mas na lógica do medo. Para todos aqueles que não têm descanso, o Coração de Jesus é lugar de tranquilidade, de sossego, de repouso; para todos aqueles que não têm paz, o Sagrado Coração é lugar de descanso.

4. O nosso espaço interior. Um espaço fechado a Deus e um espaço dessacralizado.

Neste processo de interiorização dos sentimentos de Jesus e de conformação da nossa vida à vida de Jesus há uma condição muito importante: precisamos reconhecer que há um espaço interior - o coração - onde se realiza o encontro com Deus

Na Escritura e na Tradição da Igreja, este espaço interior é designado por coração, espírito, alma, morada, templo, santuário. É um espaço hospitaleiro, para o doce hóspede da alma. É uma espécie de centro da alma - fina ponta da alma - um espaço onde ninguém entra, e que está apenas reservado a Deus e que nos revela plenamente. 

Sucede,porém, que este espaço do coração como encontro com Deus está fechado a Deus! Nós cultivamos muito a dimensão corporal (corpo, saúde, alimentação), a dimensão psíquica (emoções, sentimentos, relações, bem estar), a dimensão intelectiva (inteligência, conhecimento, tecnologia). Se trabalhar a dimensão corporal vou colher resultados corporais, se trabalhar aspectos psíquicos vou colher resultados psíquicos, e se for conhecimento vou colher mais conhecimento. Se não trabalhar a dimensão espiritual não vou colher os frutos do Espírito.

Nós trabalhamos pouco a nossa espiritualidade. O Sagrado Coração é remédio para quem trabalho pouco a sua espiritualidade, é cura para quem reza pouco! S. Paulo na Carta aos Romanos (8,8) afirma que o Espírito fala ao nosso espírito, quer dizer, que o Espírito penetra o espírito humano e transforma-o. Nenhuma criatura pode preencher este espaço espiritual a não ser Deus, e, por isso, ele mantém-se vazio, por cultivar, em tantas pessoas.

Note-se que para além de ter-se fechado este espaço interior, ele foi desalojado, dessacralizado ou profanado, pelas ‘câmaras profanas’ da modernidade. No princípio da modernidade, o espaço interior foi visto como um espaço privado, uma intimidade comigo próprio, do eu-mesmo, da consciência, da psicologia, do sentimento. Jean-Louis Chrètien diz que Emanuel Kant desalojou Deus do espaço interior e substituiu-o pela lei moral e pelo imperativo categórico, Rousseau substituiu-o pela subjectividade, Freud pela pulsão. 

O certo é que este espaço interior existe. Pode atualmente chamar-se subjectividade, interioridade, subconsciente ou profundidade. As palavras significam que há muito mais, que não está debaixo de nós, mas acima de nós; significam que há uma geografia interior a percorrer para abrir o templo reservado a Deus e trazê-lo de volta ao espaço que Ele criou para si. O Sagrado Coração de Jesus como sinal de amor por todos os homens, e sobretudo como lugar de transformação, de reparação e de repouso do coração humano, devolve-nos por isso o coração como lugar de encontro do homem com Deus.

Imagem do Cristo Rei de Almada 

Torres Novas, Igreja da Misericórdia, 3-3-2024